Engenharia 360

Transferência de tecnologia: um desafio da Engenharia Humanitária

Engenharia 360
por Kamila Jessie
| 06/12/2019 | Atualizado em 06/12/2023 4 min

Transferência de tecnologia: um desafio da Engenharia Humanitária

por Kamila Jessie | 06/12/2019 | Atualizado em 06/12/2023
Engenharia 360

Os projetos de Engenharia Humanitária geralmente focam em levar tecnologias para sociedades não industrializadas; mas fatores ambientais e culturais nesses locais podem ser muito diferentes, o que gera um grande desafio na transferência de tecnologia. Nesse sentido, os projetos podem não atender às necessidades do cliente (sim, cliente!), se a equipe de Engenharia não entender completamente o contexto em que está operando.

transferência de tecnologia
Imagem: humanitarian.engineering.oregonstate.edu

Desafios para a transferência de tecnologia na Engenharia Humanitária

A gente comentou por aqui sobre a definição de Engenharia Humanitária e as nuances que ela envolve, na medida em que deve lidar com cenários difíceis, em que nem sempre todos os recursos estão disponíveis para executar os projetos normalmente pleiteados. Com isso, é requerido dos profissionais de Engenharia um grande esforço para adequar os sistemas às condições presentes, contemplando a necessidade dos usuários/clientes.

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Contudo, mesmo estabelecendo-se parâmetros de projeto aparentemente adequados para a concepção de tecnologias que atendam à demanda local, a transferência de tecnologia pode não ser efetiva. É fundamental que haja um esforço direcionado e contextualizado para a implementação do projeto, de forma que os usuários saibam operar a tecnologia e lidar com isso a longo prazo. Essa dificuldade, contudo, não é novidade para ninguém, mas foi recentemente explicitada no formato de artigo científico, analisando os vieses que podem influenciar a eficácia dos esforços internacionais de Engenharia implementados por organizações de desenvolvimento.

Veja Também: Engenharia Humanitária: o que é isso?

Dados de campo compilados na Ciências Sociais

A autora do estudo, Ann-Perry Witmer, conduziu uma análise aprofundada das motivações e crenças dos profissionais de Engenharia que trabalham em projetos internacionais. Ela diz que sua pesquisa é única porque combina tecnologia com insights antropológicos. E tem mão na massa sim: A pesquisa de Witmer surgiu de suas experiências como engenheira praticante, especializada no design de sistemas de abastecimento água para comunidades vulneráveis. Ela já trabalhou em vários projetos na América Central, América do Sul, Ásia e África, e deu assessoria ao grupo Engenheiros Sem Fronteiras nos últimos cinco anos.

Para conseguir um bom input futuro, a engenheira Witmer manteve diários detalhados de cada projeto, que formaram a base de uma análise qualitativa dos dados, usando um software de ciências sociais que verifica o conteúdo quanto a temas e padrões. Ela também desenvolveu um questionário e conduziu entrevistas com engenheiros e engenheiras, estudantes de Engenharia e demais profissionais envolvidos nesses projetos humanitários internacionais.

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Variáveis locais

Witmer observou como os projetos eram frequentemente prejudicados pelo entendimento “limitado” (com muitas aspas aqui) das condições locais. E isso não é um comentário pejorativo, mas um alerta sobre realidades diferentes, que fala mais sobre a perspectiva da Engenharia do que sobre os usuários. Uma tecnologia bem elaborada só é tão boa quanto a possibilidade de ser executada.

transferência de tecnologia
Imagem: jacobschool.ucsd.edu

A pesquisa da Engenharia Ann-Perry Witmer identificou várias dimensões importantes para o resultado de um projeto. Elas incluem:

  • A confiança de engenheiros(as) na tecnologia industrializada: os especialistas geralmente têm tanta certeza da superioridade da tecnologia que trazem que ignoram se é apropriado para o contexto local.
  • Exclusividade do contexto: profissionais de Engenharia podem estar cientes das diferenças óbvias no clima e na topografia, mas podem não considerar a dimensão social e cultural exclusiva de cada local.
  • Dinâmica de poder: cada sociedade terá sua própria estrutura de política e poder que pode influenciar significativamente o resultado de um projeto, mas que pode ser difícil para um estrangeiro entender. Não queremos white saviors aqui e, além disso, a transferência de tecnologia nunca deve ser impositiva. Leia mais: Efeito de fogões e filtros.
  • Autossuficiência inovadora: os constituintes locais podem ser capazes de criar soluções com base nos materiais e condições disponíveis, e os engenheiros nem sempre estão dispostos a considerar se essas soluções são apropriadas para o projeto, mas podem constituir excelentes recursos. A transferência de tecnologia pode ser mais uma “concepção direcionada”. Leia mais: Superadobe e Earthbag.

Resumidamente, conclui-se que, ignorando a complexidade do contexto, existe o risco de que os projetos de ajuda internacional possam não funcionar como pretendido: os esforços e dinheiro serão desperdiçados e a população local não será ajudada. As chances de sucesso do projeto são muito maiores se a realidade local for considerada na transferência de tecnologia. Não dá para ignorar as pessoas como a gente ignora o atrito.

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Fontes: Journal of Engineering, Design and Technology.

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Kamila Jessie

Doutora em Hidráulica e Saneamento pela Universidade de São Paulo (EESC/USP) e Mestre em Ciências pela mesma instituição; é formada em Engenharia Ambiental e Sanitária pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) com período sanduíche na University of Ottawa, no Canadá; possui experiência em tratamentos físico-químicos de água e efluentes; atualmente, integra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) do Instituto de Física de São Carlos (USP), onde realiza estágio pós-doutoral no Biophotonics Lab.

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