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Quais as relações entre a COVID-19 e o saneamento?

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Por: Kamila Jessie | Em: | Atualizado: 4 anos atrás | 7 min de leitura

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A pandemia de COVID-19 tem colocado em evidência fragilidades estruturais dos sistemas de saúde. Essa vulnerabilidade é potencializada pelas desigualdades no saneamento, que abrange o abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto e resíduos sólidos e também a drenagem urbana. Nesse contexto, saneamento básico é uma pauta que deve ser considerada ao avaliar o controle da disseminação de doenças, inclusive a causada pelo novo coronavírus.

Saneamento e saúde pública

O espalhamento de coronavírus, especialmente em aglomerados urbanos, aumenta nossa percepção sobre as desigualdades no saneamento. Isso pois há uma relação entre a precariedade do saneamento e a disseminação de doenças como a COVID-19, mesmo que sejam respiratórias.

Aglomerado urbano desordenado, representando desigualdades no saneamento, no México. Foto: humanrights2water.org
Aglomerado urbano desordenado, no México. Foto: humanrights2water.org

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento indicam que, apesar de 83,62% dos brasileiros serem atendidos com abastecimento de água tratada, a não-universalização desse serviço incute em 35 milhões de pessoas sem água no país. Além disso, apenas 53% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto, do qual só 46% é tratado.  

A baixa cobertura de sistemas de esgotamento sanitário e tratamento de efluentes domésticos expõe as pessoas a doenças – não apenas respiratórias, mas também gastrointestinais, ainda responsáveis por mortes no mundo inteiro. Esperamos que esse alerta sirva como impulso às autoridades para a tomada de medidas que contemplem populações vulneráveis.

Na posição de engenheiras e engenheiros, principalmente, queremos ver tecnologias sendo implementadas para a melhor qualidade de vida de todos. O conhecimento, afinal, está disponível e em crescente desenvolvimento e água e saneamento são questões de direitos humanos.

Como lavar as mãos quando não tem água?

A pandemia de COVID-19 vem sendo encarada também como uma crise de higiene. Uma abordagem ampla do saneamento, chamada WASH (water, sanitation and hygiene) inclui água como um fator em destaque e também a higiene, relacionada principalmente a hábitos. Aí damos ênfase principalmente a comunidades vulneráveis, que são grupos com maior risco de problemas de saúde como resultado das barreiras que enfrentam aos recursos sociais, econômicos, políticos e ambientais.

Muitas vezes, essas comunidades indispõem de abastecimento de água coletivo ou mesmo água tratada, de modo que políticas como #laveasmãos não geram efeitos. Igualmente, #fiqueemcasa não é muito eficaz ou realista com grande parte da população, principalmente quando falamos de unidades familiares com muitas pessoas, aglomeradas em instalações com pouca infraestrutura.

De acordo com o Relatório Conjunto de Monitoramento da OMS/ UNICEF, em 2017, cerca de 3 bilhões de pessoas careciam de uma instalação básica para lavar as mãos com água e sabão. Além disso, quase 3/4 da população em países menos desenvolvidos não possuíam uma pia sequer. E não é só em casa: em 2016, quase 900 milhões de crianças em todo o mundo careciam de um serviço de higiene básica na escola. Da mesma forma, uma em cada seis unidades de saúde em todo o mundo não possuía serviço de higiene, o que significa que elas não tinham instalações de higiene das mãos nos pontos de atendimento, expondo as pessoas às mais diversas fontes de disseminação de doenças.

E o que fazer diante disso? A gente quer priorizar lideranças, orçamentos e compromisso para definir e alcançar metas inclusivas e de progresso sustentado, não apenas focando em surtos atuais. Primeiro, o problema tem que se tornar visível para que então a gente corra atrás da reforma. E, cá entre nós, consiga emprego e um mínimo de paz na consciência dos profissionais do saneamento, que convivem com o descaso diante dessa realidade todos os dias, por anos a fio.

Monitorando esgoto

Muitos profissionais de epidemiologia, inclusive no escopo da engenharia sanitária e da computação, vêm se dedicando à modelos preditivos de surtos da COVID-19. Isso tem sido desenvolvido com base em diferentes tipos de monitoramento.

Sendo uma doença respiratória, pode parecer estranho pensar em efluentes como algo a monitorar, mas a verdade é que há estudos mapeando material genético do novo coronavírus no esgoto e, resultados sugerem que esses dados podem permitir prever picos até dez dias antes do que resultados médicos. Esse tipo de análise tem sido feito no Brasil também, e dados indicaram que a disseminação dos casos não é homogênea.

Quem sabe esse boost em monitoramento de microrganismos por meio de ferramentas moleculares pode ser aproveitado também para mapear e prever a disseminação de doenças de veiculação hídrica? As chamadas “doenças tropicais negligenciadas” poderão ganhar mais atenção das autoridades. Pelo menos esperamos que sim.

Outro olhar para tecnologias de desinfecção

A pandemia vai, sem dúvida, fazer a gente repensar o planejamento das cidades e, além disso, mudanças são esperadas com relação a WASH, desde infraestrutura até comportamento.

Na esfera do saneamento, a inativação de microrganismos é objetivo no tratamento de água e efluentes em geral, mas não é só com álcool em gel que a gente deve incorporar nossa própria higiene. Muitas das técnicas adotadas em grandes estações de tratamento vêm sendo estudadas para descontaminação de superfícies. Exemplos são a desinfecção com UV germicida, oxidação por agentes químicos, dentre outros mecanismos, como a mudança de fase, que podem ser integrados no nosso dia-a-dia como uma sanitização complementar.

De forma alguma vamos ter a ousadia de tirar conclusões “positivas” diante de uma pandemia, mas da perspectiva da engenharia, é possível que os avanços para conter a disseminação de patógenos possa melhorar sistemas de desinfecção e tornar os ambientes mais seguros. Já pensando em saúde pública, vamos torcer e nos manifestar para que a cobertura de saneamento básico se torne finalmente uma prioridade dos tomadores de decisão, minimizando as desigualdades nesse cenário.

Também vale conferir o papo que o Engenharia 360 teve com os engenheiros sanitaristas e ambientais Fernando Magalhães e Fernando Mortara. Você pode assistir a live abaixo:

Conta para a gente sua opinião sobre o cenário do saneamento no Brasil! Você acha que a pandemia vai gerar alguma mudança nesse setor?

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