Estive na Petrobras, aqui no Rio de Janeiro, ministrando uma palestra para o setor de Engenharia. Traduzindo para leitores leigos: o setor de logística. O que vi ali foi a simplicidade de uma estatal aliada à simplicidade de engenheiros, administradores e técnicos que poderiam muito bem-estar de nariz empinado, mas não estão. São pessoas conscientes por isso mesmo, não se deixam levar pelo orgulho fantasioso. Ao mesmo tempo, testemunhei a prova de que uma estatal pode fazer o que há de melhor quando os salários de seus funcionários não estão aviltados. Não estando os salários aviltados, então, o RH faz o que é o serviço correto. Não é difícil selecionar gente para trabalhar quando o que se oferece não é o que se oferece para o serviço estatal de educação.
Ali estava parte importante da elite da mão de obra técnica do país. Um dirigente de uma empresa privada, vendo aquilo, sentiria inveja. Precisão, eficácia, inteligência, compromisso, responsabilidade e experiência. Além de tudo, orgulho. Tudo ali, no rosto de gerentes e não gerentes. Uma máquina azeitada. Uma máquina potente. Nada parecido com nossa outra máquina, a da educação – sem azeite, sem potência.
Talvez exista um problema de origem aí. Sorte de um caso, maldição de outro. Eu explico.
Foi Monteiro Lobato que insistiu que havia petróleo no Brasil, ao contrário do que dizia Vargas, que usurpou depois de Lobato o título de pai da Petrobras. Por conta da companhia ter vindo a partir das peripécias do criador do Sítio do Pica Pau Amarelo, ela herdou o seu espírito americanizado. Eis aí a sorte. Diferentemente, talvez por nossa educação pública se originar com os jesuítas, uma companhia fundada para levar adiante o reacionarismo (afinal, a Cia de Jesus foi criada para ser a ponta de lança da Contra Reforma), o ensino estatal, principalmente o da nossa escola básica, tenha chegado ao que chegou: a antítese da Petrobras. Baixos salários, nenhuma eficácia, pouca inteligência, irresponsabilidade, descompromisso e, enfim, inexperiência. Não de todos os professores, mas da maioria dos professores que, nos diversos estados, a serviço de políticos – os governadores –, dirigem as secretarias de educação. Funcionam como pelegos: amortecem o impacto das políticas federais e estaduais para a educação. Pois o impacto, sempre, é no sentido de arrebentar o professor em sala de aula. Os técnicos das secretarias amenizam a bomba, de modo que a desgraça seja suportável. Trabalham como se algo estivesse ocorrendo na ilha da miséria da fantasia.
Sabemos fazer educação estatal boa do modo que fazemos prospecção de petróleo de maneira exímia. Mas, não criamos uma Petrobras da educação. Criamos o Colégio Pedro II. Mas ele não é a Petrobras da Educação, porque não tem tentáculos para fora do Rio. Agora, o segredo é o mesmo: salário. O resto? O resto vem depois. Sem que a carreira seja atrativa economicamente, não há serviço público. Nesse sentido o Pedro II é, sim, a Petrobras da educação.
Sei que alguns leitores vão escrever aqui dizendo “salário não é tudo”. Mas esses leitores não serão os funcionários da Petrobras. Serão exatamente os da educação, que, por serem fracos ou por terem herdado a mentalidade jesuítica do missionarismo, acham que os salários devem ser baixos. São pessoas que se acostumaram a serem mal pagos e, não raro, acabam achando que, por conta da formação que possuem, até que são bem pagos. E a sociedade acha isso também. O governo acha isso. Estão todos errados, pois pensam no indivíduo cristalizado, não pensam na educação a partir da ótica de uma política educacional de médio prazo. Da ótica da política educacional o que vale é fazer com que as melhores cabeças da sociedade não procurem só a Petrobras e o Pedro II para serem funcionários públicos, mas também procurem escolas públicas em todo o Brasil. Esse é o segredo inicial da Petrobras e do Pedro II. Segredo que os tolos e os que se fingem de tolos insistem em negar.
Não adianta só bons concursos para professor. Por melhor que sejam os que passam nos concursos, não são eles que tomam posse ou, se tomam, não são os que ficam. Uma boa parte desiste da profissão ou, ao menos, do serviço público do magistério. Ou então, se ficam, logo são guindados para cargos administrativos. Aí, então, a pior mão de obra é que fica na sala de aula. E como ela se apresenta fraca, ela é vista pela sociedade como não merecendo salário maior, e o ciclo nada virtuoso passa a ser a regra.
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Quando o professorado entra em greve, é fácil para a TV fazer uma reportagem que agrade o governador, pois com as crianças em casa os pais ficam fulos e exigem aula. Uma vez avisados que os professores estão em greve exigindo salários, esses pais respondem: “Esses professores querem mais dinheiro? Com o que sabem podem fazer o que eu preciso que façam: fiquem olhando as crianças enquanto eu saio para trabalhar”. É assim o Brasil.
A classe média e os pobres vão se acotovelando. A maioria dos brasileiros dessas “classes emergentes” não pensa como a classe média dos anos cinquenta, para a qual a educação era o único caminho de adquirir bens ou manter o que os pais e os casamentos abocanharam. Essa classe média (baixa) emergente vive a ideia de que no Brasil de mercado aquecido há como subir na vida sem educação. Talvez seja necessário diploma, mas educação não.
Outras estatais também passaram por arrocho salarial e por administração ruim. O Banco do Brasil é um exemplo de algo que dava orgulho e que se esfacelou. A estrada de ferro brasileira é mais um exemplo da ruína. Mas nada piorou tanto quanto as estatais da educação, as escolas públicas, que além de estatais são estaduais ou municipais. Aí reside o maior de nossos erros. Nada no Brasil é tão errado quanto o que fazemos em termos de educação básica.
O maior problema é que a direita insiste em transformar a gestão educacional em algo parecido com o que ela pensa que é a administração da Petrobras, mas sem pagar o que a Petrobras paga. E a esquerda política insiste na fórmula tola “educação não é mercadoria”; e, portanto, não entende que a Petrobras, mesmo sendo estatal, entrega sim uma mercadoria: o petróleo refinado, derivados dele e serviços técnicos de várias ordens. A educação pode ser estatal, ou pública, mas o que ela entrega é, sim, produto, é sim algo que se aproxima da mercadoria – e se pudéssemos entender isso, então, começaríamos a mudar a educação. Pois o que fez a economia de mercado se mostrar melhor que a economia estatal de tipo soviético é o fato dela conseguir produzir melhor e entregar o produto. Passando por cima da esquerda retrógrada e forçando a direita (inclusive o MEC, que posa de esquerda, mas não é) a pagar o que tem de pagar para termos um professor satisfeito, poderíamos resolver muito do que temos de problema na escola pública básica.
A Petrobras vai seguir firme e forte, pelo que vi lá hoje. Teremos petróleo para entupir as ruas de carros e ostentaremos essa multinacional em todo o mundo, prestando serviços em áreas que sequer imaginamos. Mas continuaremos a ser, no geral, um país xucro, de gente que, na maioria, não entende seus direitos, que não tem capacidade crítica, que urina na rua e que passa fome porque não consegue sair de um emprego e aprender outro ofício, dado a falta de versatilidade cerebral. Falta escola boa, escola pública. Ao fim e ao cabo, a maioria dos brasileiros vai cair nas mãos dos representantes de Jesus, ou seja, os pequenos demônios que povoam nossa terra de templos. Ninguém da Petrobras entra em igreja caça níquel. Eles são a elite técnica do país – não são burros. Mesmo com o ensino ruim, eles se salvaram. Aliás, como o ensino vai mal, a própria Petrobras criou agora a Universidade Petrobras. Talvez ela logo tenha de criar, também, a Escola Básica Petrobras. Bem, talvez possamos começar o Brasil de novo, pensando o Brasil como uma grande Petrobras.
© Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ
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Retirado de: //ghiraldelli.pro.br/2011/08/01/recriar-o-brasil-na-base-de-petrobras/