Em 2012, uma notícia agitou o cenário de gás liquefeito de petróleo (GLP) no Brasil – e ela chegou a ser pauta de artigo aqui, no Engenharia 360. A Liquigás Distribuidora, à época subsidiária da Petrobras, anunciava testes com um produto que prometia revolucionar o mercado: o botijão de gás feito de fibra de vidro termoplástico e polietileno de alta densidade, carinhosamente batizado de LEV.

O “Botijão Leve” era a promessa de modernidade, segurança e, acima de tudo, uma inovação material já consolidada em mercados internacionais como o europeu, americano e asiático. Consumidores em regiões metropolitanas estratégicas como Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro tiveram o privilégio de participar da fase de testes.

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No entanto, após o encerramento dos testes, o assunto praticamente evaporou. O LEV, que tinha tudo para se tornar um novo padrão, tornou-se o “botijão invisível”. O que havia de tão especial neste vasilhame, que o tornava um marco para a engenharia e um potencial divisor de águas no mercado? Te contamos a seguir!

botijão de gás reciclável LEV
Imagem divulgação Liquigás

O que tornava o botijão de gás de fibra de vidro especial?

O botijão LEV não era apenas um novo recipiente; era uma declaração de progresso na engenharia de materiais. O que o distinguia fundamentalmente do tradicional botijão de gás de aço, onipresente nas cozinhas brasileiras há décadas?

1. Leveza e ergonomia

O principal diferencial, e o que deu nome ao produto (LEV), era a sua leveza. Os botijões de aço padrão P13, vazios, pesam cerca de 13 kg. O novo vasilhame de fibra de vidro era até 60% mais leve que o de aço, com propriedades termomecânicas semelhantes. Essa redução drástica de peso não era apenas um detalhe de conveniência; era uma melhoria ergonômica e logística fundamental.

Para o consumidor, significava mais facilidade no transporte do ponto de venda para casa e no manuseio dentro da residência – um benefício especialmente relevante para idosos e pessoas com mobilidade reduzida, ou para o crescente nicho de food service e eventos que exigem mobilidade do equipamento.

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2. Resistência à corrosão e durabilidade

O aço, embora robusto, é suscetível à oxidação, especialmente em ambientes úmidos e litorâneos do Brasil. Os botijões de aço enferrujam, comprometendo a estética e, em casos extremos, a integridade estrutural ao longo do tempo.

Já o botijão de gás de fibra de vidro, por ser composto de plástico reforçado com filamentos de vidro, é inerentemente resistente à corrosão (não enferruja) e a agentes químicos. Essa característica prolonga a vida útil do vasilhame, reduz os custos de manutenção (não exige repintura ou reformas estruturais frequentes) e evita manchas de ferrugem no chão das residências e estabelecimentos.

3. Segurança

A segurança era um pilar da inovação. O botijão de gás de fibra de vidro é conhecido por ter uma resistência ao impacto e à pressão excepcionalmente alta, muitas vezes superior ao aço sob certas condições.

No caso de um incêndio, enquanto um botijão de gás de aço pode romper-se catastrophicamante, o material compósito do botijão de fibra de vidro é projetado para permitir que o GLP escape de forma controlada através de um fusível de segurança, minimizando o risco de explosão. Além disso, a Liquigás afirmou que o revestimento era feito de material reciclável, agregando uma camada de sustentabilidade.

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4. Transparência

Uma característica visualmente impactante do LEV era a sua semi-transparência. Isso permitia que o consumidor visualizasse o nível de GLP líquido dentro do vasilhame – um benefício inédito e altamente valorizado, que eliminava a adivinhação sobre quando o gás acabaria.

Aliás, essa transparência era uma vantagem de consumo direta e um argumento de venda poderoso.

Por que isso interessava os engenheiros?

O interesse dos engenheiros nesse novo tipo de botijão estava na combinação de inovação tecnológica e aplicação prática. O uso de materiais compósitos em um produto cotidiano abriu portas para pesquisas em novos materiais, processos industriais e certificações de segurança. Além disso, a redução do peso trouxe benefícios logísticos e ergonômicos, enquanto o uso de materiais recicláveis estimulou discussões sobre sustentabilidade. Assim, o projeto representou uma oportunidade para avanços acadêmicos e industriais, impactando toda a cadeia do gás liquefeito de uso doméstico.

botijão reciclável LEV
Imagem divulgação Liquigás via eixos

Potenciais impactos no mercado e vantagens do botijão de fibra de vidro

  • Maior concorrência no mercado de GLP, com possibilidade de portabilidade dos botijões e preços mais competitivos.
  • Consumidores com mais controle e transparência, graças à visibilidade do nível de gás.
  • Modernização da frota de botijões P13, com adoção de materiais mais duráveis e de baixa manutenção.
  • Redução de custos de manutenção e repintura na cadeia de distribuição.
  • Estímulo à inovação tecnológica e à atualização da infraestrutura do setor.

Possíveis razões para a não adoção em larga escala

As razões para a não adoção massiva do botijão de gás de fibra de vidro no Brasil são complexas, envolvendo fatores econômicos, regulatórios e logísticos.

1. Custo inicial elevado e investimento de capital

A principal barreira foi, quase certamente, o custo. Os botijões de fibra de vidro são, em geral, significativamente mais caros de fabricar do que os de aço. Para que um novo vasilhame se estabeleça no mercado brasileiro, seria necessário um investimento maciço na substituição de milhões de botijões de aço existentes.

A Liquigás informou, à época, que a adoção maciça dependeria do mercado e da viabilidade de instalar uma fábrica das embalagens no país. A falta de uma produção nacional estabelecida para este tipo de compósito aumentaria o custo via importação. A decisão de investir bilhões na troca da frota de botijões (o capex de vasilhames), com retorno de capital incerto e dependente da aceitação do consumidor e da evolução regulatória, é um passo que as grandes distribuidoras hesitam em dar.

2. Desafios regulatórios e a estrutura do mercado

O mercado brasileiro de GLP é rigidamente regulado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), especialmente em relação ao sistema de marca. O botijão é de propriedade da marca que o envasou, e apenas ela pode reabastecê-lo. Embora o botijão de fibra de vidro não fosse tecnicamente um obstáculo, o medo de uma mudança regulatória que flexibilizasse a recarga (permitindo que botijões fossem reenchidos por qualquer distribuidora) gerou grande resistência no setor.

3. Incógnitas sobre a reciclabilidade e vida útil

Embora o revestimento tenha sido anunciado como reciclável, dúvidas foram levantadas sobre a reciclagem efetiva do material compósito (fibra de vidro + resina) quando o botijão chegasse ao fim de sua vida útil. Os botijões de aço têm um ciclo de vida e reciclagem bem estabelecido e de 100%. A falta de uma cadeia de reciclagem comprovada e economicamente viável para o compósito no Brasil pode ter adicionado um ponto de interrogação à sua sustentabilidade de longo prazo.

4. Resistência e confiança do consumidor

A ideia de uma mudança na embalagem, que altera o padrão visual e de peso estabelecido há décadas, poderia gerar desconfiança em parte da população, receosa de adulteração ou problemas de segurança.

5. Prioridades estratégicas da Petrobras/Liquigás

A Petrobras, controladora da Liquigás na época, passou por reestruturações e processos de desinvestimento (a Liquigás foi vendida em 2019/2020), o que pode ter desviado o foco e os recursos do projeto de longo prazo do botijão de gás de fibra de vidro.

Uma lição de engenharia e mercado

O botijão de gás de fibra de vidro, ou LEV, foi um exemplo de inovação técnica que não prosperou diante das barreiras do mercado e da regulação. Embora representasse avanços em leveza, resistência e segurança, seu alto custo de implementação, a rigidez do sistema de distribuição e a falta de incentivos econômicos impediram sua adoção. O “botijão invisível” de 2012 mostra que, na engenharia aplicada, a excelência técnica não basta — fatores econômicos, culturais e regulatórios muitas vezes definem o sucesso de uma inovação.

Veja Também: Os Diferentes Tipos de Botijões de Gás no Brasil


Fontes: TecMundo, Inovação Tecnológica, Estado de Minas, Info Money.

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Engenharia 360

Eduardo Mikail

Engenheiro Civil e empresário. Fundador da Mikail Engenharia, e do portal Engenharia360.com, um dos pioneiros e o maior site de engenharia independente no Brasil. É formado também em Administração com especialização em Marketing pela ESPM. Acredita que o conhecimento é a maior riqueza do ser humano.