A construção civil é um setor diretamente ligado ao desenvolvimento da economia do nosso país. Quando a economia vai mal, é também um dos primeiros setores a sentir esse impacto. Um dos maiores problemas ligado a essa importante atividade é a falta de costume de contratar um profissional especializado para projetar e acompanhar obras, o responsável técnico.
No Brasil, dificilmente encontra-se um planejamento detalhado do consumo de insumos e serviços, assim como projetos completos com execuções precisas em suas obras. Tornou-se “lugar comum” a execução de obras, principalmente as de pequeno porte, sem um Responsável Técnico capacitado. Outro grande problema corrente é que nosso país permanece com o hábito de promover obras corretivas em detrimento de obras preventivas planejadas e periódicas.
Devido a esse cenário, em 2015, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), juntamente ao Instituto Datafolha, promoveram uma pesquisa, em todo país, para a obtenção de dados sobre a relação dos brasileiros com a construção civil e o resultado foi estarrecedor. A pesquisa concluiu que 54% dos entrevistados já construíram ou reformaram suas residências, e desse grupo, 85% não utilizaram profissional capacitado e habilitado para tanto.
Os números já falam por si. Além de questões preocupantes como a estabilidade e vida útil dessas edificações, há ainda que se considerar que são construções irregulares, feitas sem a devida atenção das diretrizes urbanísticas ou ambientais.
Outro dado desolador, publicado na Exame, em março de 2018, é de que os profissionais qualificados mais demitidos no país eram os(as) Engenheiros(as). Isso faz com que haja uma migração desses profissionais para outras áreas, ou que se submetam a prestar serviços a valores bem abaixo do mercado, buscando diminuir os efeitos da concorrência, pois há uma grande quantidade de profissionais para uma baixa procura por serviços.
A Pesquisa realizada pelo CAU/BR
Além dos dados quantitativos levantados, os pesquisadores buscaram ainda alguns dados qualitativos. Eles investigaram as justificativas pela não contratação dos responsáveis técnicos habilitados e quais as consequências disso. Basicamente, o motivo principal para a não utilização de mão de obra qualificada é a questão financeira, seguido pelo fácil acesso a profissionais como mestres de obras e pedreiros, e pelo desconhecimento de outras soluções.
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Quanto às consequências da realização de obras irregulares, a maioria dos entrevistados relataram terem experienciado diversos problemas por causa da mão de obra não qualificada. Essas dificuldades foram divididas em três grupos: planejamento, mão de obra e material.
Com relação ao planejamento, foram apontados problemas no cálculo do orçamento da obra, levando a uma previsão incorreta dos gastos. Outra questão foi o tamanho da obra. Inicialmente era planejada para um cômodo e, em seu decorrer, outros espaços foram sendo incluídos. Isso gera estouro de orçamento e cronograma. Ou ainda, na tentativa de ser mantido o cronograma, o serviço acabava por ficar mal feito, gerando retrabalho.
No caso da mão de obra, os problemas apontados foram a falta de expertise dos trabalhadores contratados, além da falta de comprometimento deles. Ambos os fatores afetam diretamente o custo e o cronograma.
Por fim, quando se trata da dificuldade “material”, muitos entrevistados reclamaram de não terem recebido a quantidade correta que deveria ser comprada, ocasionando sobras ou faltas, fazendo com que os clientes precisassem voltar mais de uma vez nas lojas de materiais.
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As consequências de não contratar um responsável técnico
Como foi claramente apontado pela pesquisa, a não utilização de mão de obra especializada - e principalmente habilitada - para execução de obras geram dores de cabeça de diversas origens para o contratante. Além dos problemas financeiros e legais apontados, a contratação de profissionais sem capacidade técnica impacta diretamente nas edificações, gerando as chamadas patologias.
Patologia é o seguimento da engenharia que estuda as causas dos defeitos e falhas que surgem nas construções. Dentre eles podemos citar: fissuras, trincas, manchas e e florescências. As causas dessas patologias são diversas e poderemos falar mais delas em outro texto.
Os resultados de se ignorar a necessidade de um responsável técnico qualificado para obra podem ser irreversíveis e, às vezes, até catastróficos. Em agosto do ano passado, uma casa de 3 pavimentos mais um terraço desabou parcialmente em Curicica, no Rio de Janeiro, deixando uma mulher e uma criança sob os escombros. Felizmente, essa história terminou bem, com o resgate dos dois pelo Corpo de Bombeiros. No entanto, a Defesa Civil informou sobre a necessidade de demolição de mais três imóveis além do parcialmente desabado.
O fato de se possuir limitações financeiras não deveria ser um fator preponderante quanto a não contratação de engenheiros e arquitetos para auxiliar nas obras. Hoje é possível buscar junto a universidades e outras entidades orientação e projetos gratuitos ou a baixíssimos custos.
Por outro lado, casos como os das edificações que precisaram ser evacuadas às pressas na Vila Mariana, em São Paulo, mostram outra situação recorrente que gera grandes prejuízos financeiros ou até mesmo perdas de vidas: falta de manutenção. Em agosto de 2018, uma viga do Edifício Norma se rompeu, levando a uma cadeia de sucessivos abalos. Na manhã seguinte, um muro de arrimo, parte da garagem e uma passarela de acesso ao edifício vieram abaixo. Outro prédio vizinho também precisou ser evacuado pois foram ouvidos fortes estalos. Aparentemente, a região sofre há anos com sucessivos desabamentos parciais e nada foi feito para mitigar ou eliminar futuros impactos.
As vantagens de se ter um Responsável técnico habilitado
Diante de tudo isso, fica claro que a presença de um profissional habilitado à frente de projetos e obras só traz benefícios. Dentre eles:
- Projetos mais completos e mais eficientes, voltados para as necessidades dos clientes de maneira individual;
- Projetos que facilitam o trabalho dos executores;
- Obras devidamente regularizadas junto aos órgãos fiscalizadores;
- Orçamentos mais próximos da realidade, possibilitando um planejamento financeiro melhor para o cliente;
- Maior qualidade nas obras, pois o seu conhecimento técnico orientará as melhores práticas construtivas, visando a segurança e a vida útil da edificação, reduzindo ou eliminando retrabalhos, assim como proporcionando manutenções corretivas mais simples e esporádicas.
Referências: Responsabilidade Técnica; CAU/BR; EXAME; G1:Curicica; Folha: Vila Mariana.
Veja também:
- Como a legislação interfere na hora de projetar e quais as consequências no setor imobiliário?
- Gerenciamento de Projetos na Engenharia: entenda o que é e quais as suas etapas
- Engenharia Popular: uma reflexão sobre o ensino da engenharia e seu papel na sociedade
E aí? Qual é sua opinião a respeito dessa questão tão importante para a Construção Civil?
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Marceile Torga
Engenheira Civil, apaixonada por sua profissão, que gosta de aprender de tudo um pouco e de ensinar também.