Engenharia 360

Reconstrução dos Estaleiros: Da Decadência à Modernização da Indústria Naval

Engenharia 360
por Eduardo Mikail
| 03/09/2012 | Atualizado em 16/08/2023 6 min
O navio José Alencar, em Niterói: símbolo de uma nova era para o setor

Reconstrução dos Estaleiros: Da Decadência à Modernização da Indústria Naval

por Eduardo Mikail | 03/09/2012 | Atualizado em 16/08/2023
O navio José Alencar, em Niterói: símbolo de uma nova era para o setor
Engenharia 360

Quem pisa pela primeira vez em um estaleiro costuma ser impactado por um súbito complexo de inferioridade. Ali dentro, tudo é grandioso e as linhas de montagem lidam com peças maiores que automóveis ou bancas de jornal. São centenas delas, soldadas em série por uma multidão de operários. As fagulhas dos maçaricos produzem uma luminosidade intensa que exige o uso de óculos, pois os visitantes dos estaleiros são orientados a não olhar diretamente para a luz, a fim de evitar danos à retina.

Máquinas Colossais e Ruído Metálico Constante

Poderosos guindastes transportam blocos e tubos de aço de um lado para o outro, e um barulho metálico constante requer o uso de protetores auriculares para evitar danos à audição. Consequentemente, os funcionários rapidamente desenvolvem a habilidade de leitura labial. A construção de um único navio-tanque de médio porte, com 183 metros de comprimento, requer 25.000 metros de tubos, 120.000 metros de cabos e 100.000 litros de tinta. Vazio e ainda não equipado, o navio pesa 15.000 toneladas. Para percorrer todos os seus tanques, casas de máquinas, camarotes, sistemas de bombas e sala de válvulas, são necessárias três horas.

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Renascimento nos Estaleiros de Niterói

No cais de Ponta da Areia, em Niterói, onde está localizado o Mauá, o mais antigo fabricante de navios do Brasil, encontram-se duas embarcações em fase final de produção: o José Alencar e o Rômulo Almeida. Um terceiro, sem nome definido, está no dique seco com o casco sendo montado. Essas embarcações, juntas, têm um valor superior a meio bilhão de reais e simbolizam o renascimento das antigas oficinas criadas em 1846 por Irineu Evangelista de Sousa, o barão de Mauá.

estaleiros
O navio José Alencar, em Niterói: símbolo de uma nova era para o setor
Reconstrução dos Estaleiros: Da Decadência à Modernização da Indústria Naval
Gisela MacLaren, na fábrica fundada por seu avô em 1938: torpedo nos novatos no ramo

Era de Ouro da Indústria Naval Fluminense

O setor naval é atualmente um dos principais focos de investimento na economia fluminense. De acordo com a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), um grupo de quinze corporações e diversos fornecedores movimentará quase 15,4 bilhões de reais até dezembro de 2014. Esse montante coloca a construção de embarcações à frente de outros setores também em expansão no estado, como a siderurgia e a petroquímica. Essa prosperidade está diretamente vinculada à exploração de petróleo na camada pré-sal.

Desde que o governo federal estabeleceu, na década passada, a exigência de um índice de nacionalização de pelo menos 65% para os equipamentos adquiridos ou arrendados pela Petrobras, as encomendas não param de crescer. Nos próximos dois anos, a divisão de transportes da estatal, a Transpetro, investirá 9,5 bilhões de reais em pedidos para as empresas, que, por sua vez, aplicarão mais 5,9 bilhões na modernização, expansão e construção de novas instalações.

"Estamos vivendo um momento histórico, especialmente considerando a estagnação que os estaleiros enfrentaram no passado", afirma com orgulho Manuel Ribeiro, presidente do conselho de administração do grupo Synergy Shipyard, que controla o Mauá e o Eisa, um fabricante localizado na Ilha do Governador.

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Reconstrução dos Estaleiros: Da Decadência à Modernização da Indústria Naval
A soldadora Sandra Nascimento: animada com seu salário, até a mãe quis virar operária

Com tanto capital em jogo, é natural que o setor naval tenha atraído a atenção de conglomerados empresariais e investidores interessados em expandir seus negócios. O Synergy, proprietário do Mauá, por exemplo, é mais conhecido por controlar a Avianca, uma companhia aérea, apesar de também ter interesses no setor petrolífero. O estaleiro Aliança, tradicional construtor de Niterói, agora faz parte da Citrosuco, uma grande produtora de suco de laranja com sede em São Paulo e dona de navios e terminais marítimos.

O grupo EBX, de Eike Batista, concluiu a construção de uma ampla instalação em São João da Barra, no norte do estado, onde planeja produzir seis navios e oito plataformas de exploração marítima simultaneamente. As empresas de construção Odebrecht, OAS e UTC Engenharia são parceiras da Petrobras no Estaleiro Inhaúma, localizado no Caju. Atualmente, nossos estaleiros estão mais ativos do que nunca, incluindo tanto os construtores antigos quanto os novos, que estão engajados em uma competição acirrada.

"Estão chegando oportunistas que não têm ideia de como se constrói uma embarcação, e isso vai sair caro para a Petrobras", critica Gisela MacLaren, proprietária do estaleiro que leva seu sobrenome e foi fundado pelo avô em 1938. Ela está associada a outros parceiros na disputa por uma nova área de produção pertencente ao falido estaleiro Caneco, agora nas mãos do governo do estado. Os recém-chegados, por sua vez, contra-atacam.

"Nós temos tudo o que os estaleiros antigos não têm: muito espaço, equipamentos de última geração e a expertise dos fabricantes mais avançados do mundo", afirma Carlos Eduardo Bellot, diretor-presidente da OSX, a divisão petrolífera do conglomerado de Eike, em parceria com a gigante empresa coreana Hyundai.

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Histórias de Dedicação e Resiliência

Reconstrução dos Estaleiros: Da Decadência à Modernização da Indústria Naval
Paulo Cesar da Silva, do Mauá: de volta ao lugar onde começou a trabalhar em 1976

A recuperação da indústria naval no Rio ocorre após um longo e tumultuado período de declínio que durou quase três décadas. Até o início dos anos 80, a região costeira entre Campos e Paraty concentrava 80% dos fabricantes de embarcações brasileiros. O país era considerado o segundo maior polo do mundo em volume de encomendas, ficando atrás apenas do Japão.

Quando a Petrobras começou a explorar petróleo nas profundezas do mar, no final dos anos 60, as primeiras plataformas, os rebocadores que as transportavam e os navios-tanque de apoio à operação eram fabricados aqui. Os desafios econômicos nacionais, combinados com escândalos de superfaturamento na extinta Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunamam), um órgão que financiava as operações de crédito do setor, atingiram em cheio a indústria, levando-a à decadência.

No auge da crise, em 1985, uma tragédia simbolizou a situação desesperadora quando o então proprietário do Mauá, Paulo Ferraz, cometeu suicídio em seu escritório, deixando uma dívida de 290 milhões de dólares. Em duas décadas, o setor passou de 28.000 empregados para 1.300. As encomendas minguaram até desaparecer completamente.

Jornada para Revitalização

Reconstrução dos Estaleiros: Da Decadência à Modernização da Indústria Naval

O impacto foi tão devastador que muitas fábricas foram abandonadas à mercê das intempéries. A decisão do governo de reviver a indústria naval se tornou um salva-vidas. No total, foram feitos pedidos de 49 embarcações para um setor industrial que não produzia nenhuma há mais de dez anos.

Como é comum para qualquer empresa que enfrenta um longo período de estagnação, a bonança encontrou instalações depauperadas, com grande parte das máquinas vendida para pagar dívidas ou equipamentos obsoletos. Nenhuma empresa brasileira possuía, imediatamente, a capacidade de atender à demanda.

"Todo o setor industrial precisava de um grande investimento em tecnologia para se adequar às nossas necessidades", relembra Maurício Prado, gerente-geral do Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro. "É por esse motivo que os estaleiros, sejam novos ou antigos, estão passando por uma etapa de adaptação e abertura a novos investidores para alcançar um nível mais elevado de competitividade."

Reconstrução dos Estaleiros: Da Decadência à Modernização da Indústria Naval
Empregados se exercitam no estaleiro Ishibras, nos anos 80: retrato de uma época de maré alta

O problema da mão de obra era particularmente grave. A maioria dos antigos funcionários havia migrado para outras indústrias, como metalurgia, siderurgia e construção civil. Para o sucesso da recuperação, era necessário não apenas trazer de volta os profissionais que haviam saído, mas também formar novos. Isso é outro aspecto no qual a competição entre os estaleiros se torna intensa.

"Enquanto participava da construção da plataforma de Mexilhão, entre 2005 e 2011, recebi várias propostas", conta o operário Paulo Cesar da Silva, 54 anos, que começou na montagem de navios aos 18 anos, desistiu durante a crise e retornou recentemente. "Recusei todas. Meu sonho era ver a plataforma saindo do cais."

A ex-vendedora de perfumes Sandra Nascimento, 34 anos, exemplifica a batalha por talentos no setor. Motivada pela alta demanda, ela abraçou a profissão de seu pai, que era montador desde a década de 70, e se tornou soldadora no Mauá em 2008. Desde então, recebeu propostas de concorrentes e foi promovida três vezes. Seu salário inicial de 350 reais agora está em 2.700 reais.

"Minha mãe ficou tão animada que pediu para que eu pagasse um curso para ela, pois também quer se tornar soldadora", relata Sandra, que tem mais dois irmãos trabalhando em estaleiros. Há uma década, esse nível de envolvimento seria considerado loucura por sua família. Hoje, é um dos efeitos positivos do retorno dos antigos líderes da indústria.

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Fontes: Veja Rio

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Eduardo Mikail

Engenheiro Civil e empresário. Fundador da Mikail Engenharia, e do portal Engenharia360.com, um dos pioneiros e o maior site de engenharia independente no Brasil. É formado também em Administração com especialização em Marketing pela ESPM. Acredita que o conhecimento é a maior riqueza do ser humano.

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