Mario Sergio Cortella, um dos principais nomes da filosofia e educação no Brasil, lançou em 2016 o livro "Por que fazemos o que fazemos?". A obra reflete sobre as adversidades sofridas por todos nós no âmbito profissional, dentro das empresas. Afinal, realmente trabalhamos com o que que gostamos? O que nos move? Enxergamos sentido naquilo que produzimos?
Em entrevista dada à BBC Brasil no ano seguinte, Cortella falou sobre o mundo imediatista em que vivemos e que, além disso, traz um cenário com múltiplas possibilidades. Essas e outras características estariam provocando uma ansiedade geral nos jovens, fazendo com que eles enxerguem um propósito, sim, porém, que desejem alcançá-lo "ontem". Para ele, a nova geração de trabalhadores não tem cautela e pior, não receberam uma educação adequada.
Selecionamos para este texto do Engenharia 360 os principais pensamentos do filósofo para pensarmos juntos. Confira!
"Overdose de variáveis"
Cortella diz que o que desencadeou a volta da busca imediata pelo propósito foram o tsunami tecnológico e os muitos caminhos para seguir. "A lógica para minha geração foi mais fácil. Qual era a lógica? Crescer, estudar. Era escola, e dependendo da tua condição, faculdade. Não era comunicação em artes do corpo. Era direito, engenharia, tinha uma restrição".
Ele conta que agora há uma overdose de variáveis, contando com os números de cursos para fazer, meios alternativos de empreender, entre outras coisas, o que gerou uma dificuldade de fazer escolhas. "Isso produz angústia em relação a esse pólo do propósito. Por que faço o que estou fazendo? Faço por que me mandam ou por que desejo fazer? Tem uma série de questões que não existiam num mundo menos complexo", considera o educador.
Mario Sergio ainda diz que o mundo digital tem imposto respostas para "todas as pessoas", como que mostrando o caminho que elas devem seguir para alcançarem a satisfação. "Aquilo que os youtubers estão fazendo é uma provocação: seja inteiro, autêntico. É a expressão "seja você mesmo", evite a vida de gado", sugere.
Reconhecimento e trabalhar com o que gosta
Para Cortella, sentir-se reconhecido é sentir-se gostado. E esse reconhecimento pode ser decisivo para a carreira de qualquer um. "O reconhecimento faz com que você perca o anonimato em meio à vida em multidão. No fundo, cada um de nós não deseja ser exclusivo, único, mas não quer ser apenas um. Eu sou um que importa. E sou assim porque é importante fazer o que faço e as pessoas gostam", reflete ele.
No entanto, há uma movimentação da geração atual, que apesar de desejar ser reconhecida pelo que faz, não quer passar por períodos difíceis - que tendem a ser naturais e importantes para o crescimento pessoal.
"Hoje (a busca é por) uma vida que não seja banal, que faça sentido. O destaque agora é fazer bem a si e aos outros. Não é uma lógica franciscana, o 'vamos sofrer sem reclamar'. É o contrário. Não sofrer, se não for necessário. Uma das coisas que coloco no livro é que não há possibilidade de se conseguir algumas coisas sem esforço. Mas uma das frases que mais ouço dos jovens, e que para mim é muito estranha, é: quero fazer o que eu gosto".
Então você pensa: o que tem de errado em querer fazer o que gosto? Bom, Cortella pondera sobre esse pensamento, que para ele é muito comum, porém, equivocado. "Para fazer o que se gosta é necessário fazer várias coisas das quais não se gosta. Faz parte do processo. Não é nem a retomada do 'no pain, no gain' ('sem dor, não há ganho'). Mas é a lógica de que não dá para ter essa visão hedonista, idílica, do puro prazer. Isso é ilusório e gera sofrimento".
Portanto, é preciso ter cuidado ao traçar planos que só incluem metas fáceis de serem atingidas. O que Cortella traz à tona é que, para alcançar a realização, é necessário abrir mão de certas atitudes, prazeres e desejos imediatistas. "No dia a dia, a pessoa se coloca como alguém que vai ter um grande legado, mas fica imaginando o legado como algo imediato". É importante pensar que os objetivos mais gratificantes vão se aproximando aos poucos, não de um dia para o outro.
"Gosto de lembrar uma história com o Arthur Moreira Lima, o grande pianista. Ao terminar uma apresentação, um jovem chegou a ele e disse 'adorei o concerto, daria a vida para tocar piano como você'. Ele respondeu: 'eu dei'", conta Mario Sergio.
O papel dos pais e a geração enfraquecida
Outra reflexão a ser feita é sobre como os pais preparam os novos empreendedores, funcionários, chefes e colegas de trabalho. De novo surge a percepção 'imediatizada' como uma das principais vilãs dessa história. "Há uma rarefação da ideia de esforço na nova geração. E falo no geral, não só da classe média. Tivemos uma facilitação da vida no país nos últimos 50 anos - nos tornamos muito mais ricos. Nas classes B e C têm menino de 20 anos que nunca lavou uma louça", expõe o filósofo.
Ele opina que, atualmente, muitos pais não enxergam a delegação de certas tarefas como necessárias para a formação de seus filhos. "Alguns pais e mães usam uma expressão que é "quero poupar meus filhos daquilo que eu passei". Sempre fico pensando: mas o que você passou? Você teve que lavar louça? Ou está falando de cortar lenha? Você está poupando ou está enfraquecendo? Há uma diferença. Quando você poupa alguém é de algo que não é necessário que ele faça", contemporiza.
Segundo Cortella, parte das famílias quer poupar e, em vez de poupar, enfraquece. "Estamos formando uma geração um pouco mais fraca, que pega menos no serviço. E isso, sem dúvidas, é transportado para quaisquer ambientes de convivência, sobretudo os acadêmicos e profissionais. Muitos jovens de hoje estariam despreparados para receber ordens, acatar regras e respeitar prazos.
A educação recebida em casa afeta o mundo externo e provoca choques. "Crianças e jovens são criados por adultos, que são seus pais e mantêm com eles uma relação estranha de subordinação. Como há por parte dos pais uma ausência grande de convivência, no tempo de convivência eles querem agradar. É a inversão da lógica. Eu queria ir bem na escola para os meus pais gostarem, não era só uma obrigação".
A atual lógica, para Cortella, é extremamente perigosa, porém, recorrente. "Quando o jovem vai conviver com um adulto que sobre ele terá uma tarefa de subordinação, na escola ou trabalho, há um choque. Parte da nova geração chega nas empresas mal-educada. Ela não chega mal-escolarizada, chega mal-educada". Ele diz que não há espaço nesses jovens para noções de hierarquia e metas, no entanto, surgem com uma condição magnífica, que é percepção digital, um preparo maior em relação à tecnologia.
Podemos concluir que, de um lado, há pessoas com currículos impecáveis e habilidades inquestionáveis; de outro, essas mesmas pessoas não somam à formação características importantes - como empatia, gentileza, humildade e paciência. O que você achou da reflexão de Mario Sergio Cortella? Conte para a gente!
Imagem destaque: Mario Sergio Cortella durante entrevista ao Multishow
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