Estamos em torno do Dia Internacional da Mulher e é impossível não ficarmos tocados por esta data. Isso não tem só a ver com tudo que as mulheres (incluindo toda engenheira) vêm sofrendo ao longo da história, mas com todos os desafios que ainda precisam enfrentar nos dias de hoje. Pois, sim, vivemos séculos e séculos - e tivemos tempo de sobra para evoluir. Mas, apesar disso, essa questão ainda precisa voltar várias e várias vezes para as rodas de debate. Isso porque alguns insistem em dizer que mulheres são menos capazes de realizar os mesmos feitos de um homem; até que seriam culpadas quando as coisas dão errado. Besteira total!
No geral, as mulheres no mercado de trabalho são determinadas e competentes. Elas estudam muito, se dedicam por mais tempo às suas tarefas, não têm medo dos desafios, se comprometem mais aos serviços e estão sempre em busca de atualização. Mesmo assim, na maioria das vezes, recebem salários inferiores dentro das empresas e são destinados a tarefas fora de sua contratação, com a desculpa de que podem "dar um toque feminino" àquilo que os homens desejam não fazer. Por fim, precisam trabalhar o dobro para provar que sabem fazer o mesmo, ou melhor que seus colegas - sendo que, em outros horários, ainda são mães, amigas, irmãs, filhas e esposas.
A saber, um estudo feito pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) aponta que, em 2021, eram 21,9 milhões de famílias chefiadas por mulheres no Brasil. Contudo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), das mulheres no mercado de trabalho, apenas 37,4% possuíam cargos gerenciais em 2019.
Para marcar esta fase importante do ano, o Engenharia 360 trouxe uma profissional incrível para conversar conosco, a engenheira Mariangela Ikeda Ribeiro (das áreas de Engenharia de Alimentos, Comercial, Marketing e Supply Chain). Ela dará o seu testemunho aqui no site sobre mais do que 'ser mulher no mercado de trabalho', mas 'ser uma profissional competente, sempre'. Quer dizer que seus ensinamentos são para pessoas de todos os gêneros. Aliás, é assim que deveríamos encarar as coisas, pessoas sendo apenas pessoas. Pois não existe essa de alguém ser melhor que outro alguém por idade, raça ou sexualidade. No mundo dos negócios, devemos ser apenas julgados por nossas capacidades e habilidades!
1) Engenheira Mariangela, em uma conversa anterior que teve com o Engenharia 360, você disse que saiu da Capital (São Paulo) e foi residir em Campinas (interior do Estado) para estudar na Unicamp, que é considerada uma das melhores universidades do país e da América Latina. Queremos começar a nossa entrevista com a sua avaliação de como é estudar em uma instituição pública. Quais as facilidades e os grandes desafios? E mais, pensando em toda a sua experiência de campus, como você avalia a atitude do MEC de aprovar o ensino de algumas engenharias à distância - o famoso ensino EAD?
"Estudar em uma Universidade Pública, como a Unicamp, é um privilégio. Por ser gratuita, a concorrência a uma vaga nessas Universidades é bem acirrada. Os alunos que conseguem passar pela peneira dos vestibulares dessas instituições são estudantes muito preparados. O convívio, a troca de experiências e o conhecimento são muito intensos. Na época em que estudei na Unicamp, tive a chance de conhecer alunos de outros países, pois a Universidade recebia estudantes estrangeiros."
"Além disso, o corpo docente é também muito capacitado e oferece ensino de alta qualidade. A carga horária é densa (os cursos de Engenharia exigem 5 anos de tempo integral) e bem distribuída, cabendo aos alunos aproveitarem o que lhes é oferecido, pois ficam mais livres para definir as matérias que querem priorizar ao longo dos anos do curso.
E não podemos negar que ter no currículo uma passagem por uma Universidade Pública, especialmente na graduação, confere status e abre muitas portas ao mercado de trabalho.
Quanto à atitude do MEC de aprovar o ensino à distância para algumas Engenharias, entendo que é necessário avaliar bem os critérios para a classificação/eleição dos cursos, dos métodos e das instituições. Grande parte das engenharias demanda a vivência em campo e/ou laboratórios."
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2) Sua decisão, num primeiro momento de caminhada profissional, foi estudar Engenharia de Alimentos. Compartilhe com os nossos leitores qual foi a sua motivação para fazer este bacharelado. Você chegou a citar que teria a ver com um ideal de propósito que era relacionado à profissão, mas que essa sua visão meio que caiu por terra quando se deparou com as questões de mercado. Enfim, você acredita que ainda teria feito as mesmas escolhas lá atrás se tivesse, em mente, o conhecimento adquirido que possui hoje?
"A Engenharia de Alimentos era uma das minhas opções. Também acenava com Engenharia Agrícola/Engenharia Agronômica e Ciência da Computação. Optei pela Engenharia de Alimentos pois era um curso novo que me atraía pela possibilidade de unir as ciências exatas, que eu tanto amava, ao mundo dos alimentos, tão vivo e desafiador. Além disso, estudar na Unicamp e morar em uma república era algo que me fazia sentir independente e sonhar com inúmeras possibilidades.
Tinha uma visão romântica sobre o assunto. Via um propósito em dar acesso e poder ampliar a oferta de alimentos a mais pessoas e de forma mais barata utilizando ciência, tecnologia e engenharia dos alimentos através do aumento da vida de prateleira dos produtos com segurança alimentar."
"Durante minha passagem pela indústria, mantive essa visão, mesmo tendo, já desde início, ingressado na área comercial da empresa e não em uma das áreas técnicas.
Mas quando entrei para o varejo alimentar, vi que muito do que eu imaginava que deveria ser produzido em centrais de produção ou por indústrias terceiras, era processado nas próprias lojas. Ficava perplexa e queria promover uma mudança radical propondo a construção de centrais de produção. Mas fui percebendo que para as categorias de transformação (padaria, rotisserie, açougue, peixaria) nas quais, na minha concepção, faziam sentido operar produções em centrais, valorizava-se muito o frescor. Não era apenas uma visão do varejo, mas também do consumidor.
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A partir dessa constatação, fui evoluindo para mudar o que existia, me adequando ao que os clientes (internos e externos) esperavam e aprimorando a cadeia como um todo, desenvolvendo fornecedores, processos de lojas, treinamento, programas de qualidade e rastreabilidade.
Eu mudei meu olhar, mas não abri mão daquilo em que acreditava e me transformei numa especialista em alguns temas muito importantes para o varejo.
Minha formação em Engenharia de Alimentos foi fundamental para tudo o que vivi nesses 30 anos de carreira. Eu não faria nada diferente do que fiz."
3) Você se formou no ano de 1991, correto? Foi um período de muitas dificuldades para a economia brasileira. Sabemos que, de lá para cá, várias coisas mudaram no mercado. Acredita que o cenário atual é favorável para quem deseja cursar Engenharia de Alimentos? Aliás, qual o leque de possibilidades que um engenheiro de alimentos recém-formado teria para a sua carreira?
"Vivíamos um período de forte recessão na economia. Foi um ano dificílimo para o recém-formado. Mesmo com a quantidade de profissionais com nível superior bem menor do que temos na atualidade. Com o tempo, mais escolas de nível superior e cursos profissionalizantes surgiram. Vejo isso de forma muito positiva. Com mais pessoas com acesso a cursos técnicos e superiores, maior é o crescimento do país através da educação.
O mercado de maneira geral valoriza muito os engenheiros. Existe, de fato, muito respeito e admiração pela classe.
Quanto aos engenheiros de alimentos, especificamente, há ainda muita dúvida e desconhecimento sobre as potenciais áreas de atuação. Existe um amplo leque de possibilidades para eles. Podem atuar em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, controle de qualidade, segurança alimentar, produção, desenvolvimento de embalagens, etc. Há ainda a possibilidade de, com alguma especialização (como foi o meu caso), trilhar uma carreira executiva que pode ser alavancada mais facilmente com cursos complementares como pós-graduação ou MBA em Marketing, Supply Chain, Gestão de Negócios, entre outros."
4) Algo bastante curioso que você nos contou é a sua descendência japonesa. E sabemos que uma das características mais belas do povo japonês é a disciplina. Quanto dessa cultura está presente no seu espírito? O que dessa herança você carrega nos dias de hoje como profissional?
"A disciplina, não apenas no tocante ao cumprimento das regras, mas, principalmente, para definir um ritmo às nossas rotinas é importante para um caminhar de evolução contínua. Ela nos auxilia a desenvolver foco em resultados, melhorar nossa performance, gera autoconfiança e garante que trilhamos os caminhos mais curtos para o que queremos."
"Muito da disciplina que eu adquiri veio do varejo. O varejo exige e reconhece a disciplina. Pode parecer pouco empolgante, pois nem todos apreciam ter uma rotina. Precisamos entender que ter disciplina não é o mesmo que fazer sempre as mesmas coisas, mas sim respeitar os tempos e não perder o ritmo das coisas."
"Da cultura oriental herdei mais do que a disciplina, herdei o respeito ao outro. Saber ouvir com atenção e interesse, pois não somos melhores que ninguém. Ouvir é um exercício de humildade que nos leva a ser o melhor que podemos ser."
5) Voltando para a sua caminhada, também foi muito legal ouvir sua narrativa de crescimento, que não parece ser por uma busca de sucesso financeiro, mas uma jornada de aprendizado através das experiências. Você trabalhou com análise de qualidade, na área de indústria, no setor laboratorial, varejista e de vendas. Por fim, entendendo precisar obter mais conhecimento em Estratégia e Marketing, fez uma especialização. Como você avalia este progresso?
"Eu realmente nunca me preocupei em perseguir um cargo ou uma posição. Sabia que as conquistas seriam o resultado do meu trabalho. Também nunca me preocupei se o que eu fazia estava ou não relacionado com a minha formação em Engenharia. As coisas foram acontecendo. Eu me interessava por tudo o que pudesse agregar valor e trazer diferenciação ao negócio. Ainda na indústria, já envolvida com o planejamento estratégico da companhia e responsável por um dos canais de distribuição mais promissores da empresa, decidi estudar Marketing e optei por uma pós-graduação na ESPM – a melhor escola de Marketing àquela época. Não era um curso barato, mas consegui que a empresa custeasse uma boa fração do valor do curso, e por isso, sou muito grata. Certamente o conhecimento adquirido me elevou a um outro patamar para ter segurança nas importantes definições estratégias que precisei conduzir."
6) Queria que você também comentasse como foi trabalhar com atividades que são raramente citadas em sites de negócios, como refrigeração, congelados e foodservice. Quais os grandes ensinamentos que tirou destas fases da sua vida profissional?
"Eu sempre atuei nas áreas comerciais das empresas em que trabalhei. Nos primeiros 10 anos de minha carreira, trabalhei numa indústria de alimentos supergelados que também possuía uma operação de armazenagem frigorificada para outras indústrias de alimentos congelados. Lá atuei em diversos canais de distribuição como o ‘foodservice’ (atendia a hotéis, hospitais, caterings, redes de fast-food e casual dinning, cozinhas industriais de empresas, concorrências públicas), a indústria (que utilizava os produtos como matéria-prima), a venda em domicílio através de revendedores e o varejo.
Foi uma época de muito aprendizado e crescimento profissional. Uma indústria de médio porte que apostou na jovem profissional que eu era e que me propiciou conhecer muitas áreas distintas da empresa. Eu procurei compor a equipe comercial com profissionais com formação em alimentos. Foram 10 anos intensos e posso dizer que fui muito feliz."
7) Sua trajetória de carreira foi realmente surpreendente, trabalhando para grandes supermercadistas, uma hortifruti, uma empresa de renome no setor de material de embalagens, uma loja de produtos saudáveis e até uma rede de drogarias. Pode compartilhar algumas informações dos bastidores disso? Por exemplo, como estes grupos costumam olhar para as necessidades dos seus funcionários e clientes? E, acima de tudo, se possuem sentimento de responsabilidade social e ambiental?
"Trabalhei em empresas distintas e com diferentes graus de maturidade para temas como ambiente interno/cuidado com o colaborador, responsabilidade social, responsabilidade ambiental e diversidade.
As maiores corporações possuem comitês dedicados a esses temas, mas há ainda muito por fazer. Engenheiros possuem um altíssimo potencial para se aprofundar nesses temas e buscar caminhos de contribuição para esses desafios. Especialmente no tocante à responsabilidade ambiental. Ainda estamos engatinhando."
8) Para finalizar, como uma representante das mulheres na Engenharia e também das mulheres no varejo, como você avalia o perfil das executivas brasileiras? Qual a necessidade ainda de promover a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho?
"Temos executivas e engenheiras brilhantes, mas que não recebem o reconhecimento e a projeção que homens em posições semelhantes recebem, infelizmente."
"As mulheres estão conquistando cada vez mais espaço no mercado de trabalho em cargos de liderança, mas ainda são – de longe – minoria, e isso é muito preocupante."
"Não raramente eu fui a única mulher numa sala de reuniões. Isso tem mudado, mas a passos muito curtos.
Vivi ciclos de mudanças nas empresas pelas quais passei onde, veladamente, mais mulheres foram desligadas proporcionalmente em cargos de liderança do que homens. É um sinal de comportamento de grupo e do machismo estrutural."
"No varejo e na Engenharia, mulheres ainda precisam ganhar voz, peso, força. E essa não pode ser uma luta só das mulheres."
"Mas precisamos ir além, precisamos viver a diversidade de fato. Diversidade de gênero, orientação sexual, raça, credo, idade, características físicas, com ou sem deficiência, e tudo aquilo que nos classifica partindo de algum preconceito. Machismo estrutural, racismo estrutural e qualquer outro comportamento sabidamente equivocado que vimos reproduzindo ao longo de gerações não cabem mais, não cabem há tempos.
É responsabilidade de cada um de nós, que temos a condição de mudar o cenário dentro das empresas em que trabalhamos, promover um ambiente que busque o equilíbrio dos times e persiga a equidade."
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Eduardo Mikail
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