Já escrevemos, em momento anterior, sobre os prédios tortos de Santos que se encontram inclinados. Mas, na matéria a seguir, descrevemos a metodologia construtiva utilizada para o reaprumo do prédio localizado na orla de Santos, o Bloco B do Edifício Nuncio Malzoni, que contou com uma fundação nova e adequada ao tipo de solo e macaqueamento do edifício, cujo objetivo foi retomar condições de utilização e serviço, bem como estabilizar os recalques e valorizar o imóvel. Confira!
Apresentando o estudo geotécnico que inspirou a execução de obra em prédio inclinado
A metodologia descrita foi proposta pelo Prof. Dr. Carlos Maffei, que também realizou os cálculos estruturais e o gerenciamento da obra, através de seu escritório, a Maffei Engenharia. Foram mapeados cerca de 100 edifícios construídos entre 1950 e 1975, apresentando inclinações devidas a recalques diferenciais da ordem de 2 graus. Isso deve-se a uma condição geológica particular da região, conforme estudo geotécnico da Prof. Dra. Heloísa Helena Silva Gonçalves.
Nesse estudo, com base nos dados de sondagem do solo, observa-se uma camada de uns 10 m de solo bom, uma areia compacta (com resistência adequada à solução de fundação rasa, como sapatas interligadas com vigas de rigidez, solução inicialmente utilizada) seguido por uma camada espessa, da ordem de 50 m, com um solo de material muito adensável (portanto, sujeito a recalques ao longo do tempo). Em seu estudo, a Professora observa que esse material continua sofrendo o processo de adensamento, com recalques da ordem 0,5 a 1,5 cm por ano.
Informações gerais sobre a metodologia construtiva adotada
O problema de correção do prumo do prédio inclinado foi resolvido seguindo as etapas apresentadas a seguir:
- entendimento do problema, mapeamento dos deslocamentos e condições de contorno;
- modelagem estrutural do edifício para cálculo dos esforços na fundação e esforços devidos ao reaprumo;
- elaboração do projeto da fundação, onde serão implementadas estacas e elementos estruturais adequados ao tipo de solo e cargas observados (no presente caso, as fundações foram executadas independentes das originais e foram adotados blocos sobre estacas raiz);
- transferência das cargas dos pilares temporariamente para a fundação nova, para que possa ser realizado seu corte (desvinculação da sapata antiga);
- realização do macaqueamento para reaprumo, conforme preconizado em projeto;
- resolidarização do pilar à fundação reforçada;
- serviços finais e entrega.
Entendimento do problema
Parte do entendimento do problema foi mapear as causas dos deslocamentos, que já foi bem explicado com base nas características geotécnicas do local.
A outra parte do entendimento, resume-se às medições in loco das condições existentes.
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Abaixo são mostradas imagens onde são indicados os deslocamentos a serem corrigidos:
Modelagem Estrutural
Essa etapa é de fundamental importância, visto que é nessa fase que serão calculados os esforços nas fundações, além do entendimento do caminhamento das cargas como um todo, uma vez que é de suma importância garantir o controle para que a operação atenda a todos os requisitos de segurança estrutural.
Nessa etapa também é prevista toda instrumentação do edifício, para medição de deslocamentos e recalques através de extensômetros e, a partir desses, observar o comportamento da estrutura durante a operação e ter um maior controle do processo através do conhecimento das deformações e esforço, fomentando assim a tomada de decisões mais seguras do ponto de vista de Engenharia.
Em resumo, busca-se nessa etapa a representação da realidade local através de um modelo numérico-analítico, onde seja possível conhecer esforços e deformações para garantir o cumprimento dos requisitos de segurança da operação.
Projeto e Execução da Nova Fundação
Haver solo mole e deformável não é o problema. O problema é não prever a fundação adequada a esse caso.
Dessa maneira, o projeto de fundação deve considerar esse fato. Nesse caso, a solução mais adequada é aquela que utiliza a solução em fundações profundas, ou estacas. As estacas do tipo raiz, foram cravadas no entorno da sapata existente e não houve necessidade de serem solidarizadas ao bloco/sapata. Há, evidentemente, a necessidade de transferência do apoio do pilar, inicialmente nas sapatas, para as novas fundações. Como isso será feito, é melhor explicado mais adiante.
Portanto, esse projeto irá calcular a fundação necessária para serem estabilizados os recalques mediante aplicação das cargas dos pilares.
Preparação para o Macaqueamento
O preparo consiste em:
- executar as demolições locais necessárias, afim de expor a estrutura do edifício;
- adequar os sistemas existentes (água, luz, esgoto, sistemas de ventilação) para não interferirem nos trabalhos. Importante adequação, visto que os apartamentos não foram desocupados para a realização da obra;
- concretagem dos consoles na lateral do pilar.
- montar o sistema de transferência de carga do pilar para a fundação nova. O sistema idealizado para permitir a movimentação de corpo rígido do edifício, buscando a posição nivelada, consiste na adoção de 3 macacos por pilar: 2 auxiliares, utilizados para o calçamento do pilar e transferência da carga do pilar para a fundação, e o outro macaco utilizado para efetivamente realizar a elevação do nível da base de apoio do pilar e, por consequência, do prédio inclinado como um todo.
Para a transferência da carga do pilar, são concretados 2 consoles em cada pilar, como “orelhas” sob as quais são posicionados os macacos que irão realizar a transferência de carga após o corte/separação do pilar da estrutura do bloco de fundação. Uma vez que esse calçamento foi realizado, procede-se com o corte de uma seção do pilar. Então trata-se a base de apoio e posiciona-se o terceiro macaco.
Macaqueamento e Reaprumo
Trata-se de uma etapa delicada, onde se faz necessário todo um planejamento das ações. Alguns cuidados são destacados:
- deve haver sincronia entre os macacos, para evitar recalques diferenciais de distorção no edifício, devendo-se buscar executar o movimento de corpo rígido apenas;
- procede-se então com o levantamento através do macaco principal, o qual tem seu curso esgotado e são novamente instalados os macacos auxiliares, para que possa ser reposicionado o macaco principal e dar sequência ao levantamento da carga do edifício.
Recomposição dos Pilares e Serviços Finais
Uma vez concluído o reaprumo, o pilar deve ser recomposto e a carga deve ser conduzida à nova fundação.
Essa etapa é delicada, destaca o Prof. Maffei, pois uma série de cuidados devem ser observados, como, por exemplo, recompor a seção do pilar, com armadura atendendo adequadamente requisitos de segurança e traspasse da armadura.
Para isso, são consideradas duas etapas: Primeiro: considera-se a montagem de uma forma, instalação de uma gaiola de aço com traspasse garantido conforme previsto em norma para a transferência adequada dos esforços do pilar para a fundação. O objetivo aqui é retirar o macaco principal e recompor a seção do pilar que foi retirada para a operação de macaqueamento principal.
Posteriormente, devem ser realizados os serviços finais de remoção dos consoles de concreto usados para transferência dos esforços na fase de preparação do macaqueamento. Em seu lugar, concreta-se um “colarinho” em torno do pilar e garantindo que a carga do pilar caminhe para a nova fundação.
Nota: gostaríamos de destacar, mais uma vez, que todas as imagens apresentadas neste texto foram extraídas do vídeo https://www.youtube.com/watch?v=R22WWyFpjS0, disponível publicamente e produzido pela Maffei Engenharia.
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