A gente acredita (e torce) que a maioria dos leitores aqui receba água tratada com qualidade, mas é importante lembrar que, lamentavelmente, esse é um privilégio. A escassez de água é um desafio global e, de acordo com a ONU, quase metade da população mundial vive em regiões de escassez potencial por pelo menos 1 mês por ano. O problema é acentuado pelas mudanças climáticas e urbanização sem planejamento. Nesse cenário, técnicas intuitivas como a dessalinização podem ajudar a aliviar o estresse hídrico, extraindo água limpa de uma variedade de fontes salinas ou contaminadas. A ciência e engenharia impulsionam a dessalinização com o objetivo de acelerar o processo e/ou gerar escalabilidade, inclusive usando nanotecnologia.
Destilação com membranas:
Durante a dessalinização da água, a destilação por membrana é desafiada pela ineficiência da separação térmica da água dos solutos dissolvidos (que queremos retirar), devido à sua dependência da porosidade da membrana e da condutividade térmica. Além disso, as técnicas existentes, como a osmose reversa, demandam muita energia. Os pesquisadores estão, portanto, interessados em usar fontes de energia renováveis e de baixo custo como uma alternativa de estratégia econômica para vencer esses desafios, ou potencializar o processo de destilação um modo em que não seja necessária tanta energia.
A destilação por membrana é um processo de separação emergente, baseado em temperatura e pressão de vapor, que utiliza fontes solares, térmicas ou outras fontes renováveis. Em seu mecanismo de ação, a água evapora no lado de alimentação quente das células de destilação para se difundir através de uma membrana hidrofóbica, ou seja, que repele água, para condensar no lado do permeado frio.
Demanda por membranas com qualidade específica:
Durante a destilação, o transporte de vapor de água pode levar à transferência de calor por convecção para reduzir o gradiente e diminuir a força motriz para a transferência de massa através da membrana. Em engenheirês, o objetivo dos cientistas para uma membrana ideal seria que ela combinasse um tamanho de poro grande, baixa tortuosidade de poros, baixa condutividade térmica, alta porosidade, espessura ótima, boa resistência mecânica, boa relação custo-benefício e baixo impacto ambiental. No entanto, as membranas existentes feitas de polímeros sintéticos não atendem aos padrões ideais devido a várias deficiências.
A novidade em nanotecnologia e madeira:
Em um relatório disponibilizado na revista científica Science Advances, um grupo de pesquisadores de departamentos interdisciplinares de engenharia civil, ambiental, arquitetura, ciência dos materiais e engenharia mecânica nos EUA, Noruega e China fabricaram uma membrana de destilação robusta. Feita a partir do quê? Madeira.
O grupo usou uma membrana hidrofóbica nanoestruturada com alta porosidade e estrutura de poros seguindo uma ordem hierárquica com uma ampla distribuição de tamanho de poros de nanofibrilas de celulose cristalina, vasos de xilema e lumina para facilitar o transporte de vapor de água. Parece aula de botânica do ensino médio, mas estamos falando de madeira, né?
Ocorre que, com essa organização da estrutura da membrana, em níveis manométricos, a condutividade térmica foi extremamente baixa na direção transversal da construção para reduzir a perda de calor condutivo, embora a alta condutividade térmica ao longo da fibra permitisse uma dissipação térmica eficiente ao longo da direção axial.
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A membrana demonstrou excelente permeabilidade ao vapor intrínseco e eficiência térmica. As propriedades combinadas de eficiência térmica, fluxo de água, escalabilidade e sustentabilidade tornaram a “nanomadeira” recomendável para aplicações de destilação por membrana.
Fontes: Science Advances
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Kamila Jessie
Doutora em Hidráulica e Saneamento pela Universidade de São Paulo (EESC/USP) e Mestre em Ciências pela mesma instituição; é formada em Engenharia Ambiental e Sanitária pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) com período sanduíche na University of Ottawa, no Canadá; possui experiência em tratamentos físico-químicos de água e efluentes; atualmente, integra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) do Instituto de Física de São Carlos (USP), onde realiza estágio pós-doutoral no Biophotonics Lab.