Sorte? Azar? Nós sempre ficamos espantados quando algo muito bom ou muito ruim acontece com a gente. A pergunta é sempre: “de tanta gente no universo, logo eu?”. Porém, no fundo, sabemos que tinha que acontecer com alguém. Do ponto de vista da estatística, esses são eventos improváveis.
O corretor de ações de Baltimore
Um dos exemplos mais interessantes é o do caso do corretor de ações de Baltimore, descrito no livro “How not to be wrong: The power of mathematical thinking” (“O poder do pensamento matemático: a ciência de como não estar errado”, na edição brasileira) do professor e matemático Jordan Ellenberg. Com humor, Ellenberg discorre sobre o caso de um corretor de ações que poderia ser quase um profeta, mas que, na realidade, não passa de um esperto usuário da estatística.
Segundo Ellenberg, um dia, você recebe uma correspondência de um corretor de ações Baltimore com uma dica de uma ação que deve subir. O feito se repete na semana seguinte. Mas, dessa vez, a dica é que o preço vai cair. Você começa a ficar surpreso porque ele acertou a primeira, a segunda e as outras oito dicas que vieram pela frente.
Na décima primeira semana, você recebe não uma previsão, mas um formulário para investir seu dinheiro com o corretor. Então, você pondera, pois o corretor parece realmente saber das coisas, já que ele acertou dez previsões seguidas. Ou isso, ou ele é um verdadeiro oráculo, visto que, se, a cada previsão, a chance é de 50% (ou ½), no final do período, ela é, exatamente, de 1/1024.
Matemágica?
Porém, em seguida, Ellenberg puxa o pano e revela o que estava por trás da história: “matemágica”. Do ponto de vista do corretor, a história é outra. Na primeira semana, esse corretor envia a previsão para 10.240 pessoas. Metade delas recebeu a notícia de que as ações aumentariam e a outra metade recebeu a notícia de que elas cairiam. Então, quando as ações sobem, ele sabe que acertou a previsão para exatamente 5.120 pessoas. É para elas que ele envia a previsão na segunda semana. As outras são eliminadas da lista. Novamente, metade recebe a notícia de que as ações subirão e a outra metade que elas cairão.
A cada semana, o corretor descarta metade das pessoas para as quais enviou a previsão incorreta. No final de dez semanas, se você fizer as contas, vai perceber que restaram exatamente dez pessoas que receberam dez previsões corretas. Independentemente do que o corretor fez para prever (seja realmente observando o mercado ou jogando búzios), ele acertou para dez pessoas. São essas que vão querer fazer seus investimentos com ele.
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Enquanto discorre sobre o assunto, Jordan Ellenberg afirma que a estratégia do corretor de Baltimore funciona porque, como um bom truque de mágica, ele não tenta dizer algo falso logo de imediato. O corretor disse algo verdadeiro sobre o qual você tem a propensão de tirar provisões erradas.
Se nós pararmos para pensar, 1/1024 é um evento improvável, mas não é impossível. Em um universo gigantesco, coisas improváveis podem acontecer o tempo todo. Se elas são boas, nós chamamos de sorte e, se são ruins, chamamos de azar (ou Lei de Murphy). Como Ellenberg diz, é improvável ser atingido por um raio ou ganhar na loteria, mas isso acontece o tempo todo.
Eventos improváveis acontecem
Outro exemplo interessante é quando jogamos os mesmos números na loteria. Podemos ter dois pensamentos:
- eles não saíram recentemente, então a chance de que sejam sorteados é alta;
- eles acabaram de sair, mas como os sorteios são eventos independentes, podem sair de novo a qualquer momento.
Do ponto de vista da estatística, qualquer combinação tem a mesma chance de ser sorteada. No fundo, ganhar na loteria é possível, porque algumas pessoas ganham. Então, não é impossível, mas é improvável. Ou seja, também não é provável. Uma bela confusão, mas que faz sentido.
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Mesmo que o sorteio seja aleatório, sempre estamos procurando pela existência de padrões. Seja a sorte de ganhar na loteria ou o azar de ser atingido por um raio, é bem provável é que vá fazer o seguinte questionamento: “por que eu?”. Destino ou acaso, a resposta, para a estatística, é simples: eventos improváveis acontecem.
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Larissa Fereguetti
Cientista e Engenheira de Saúde Pública, com mestrado, também doutorado em Modelagem Matemática e Computacional; com conhecimento em Sistemas Complexos, Redes e Epidemiologia; fascinada por tecnologia.