Todo ano consultores são contratados no Brasil e no mundo e repetidamente vemos reclamações sobre direcionamentos impraticáveis e recomendações mal implantadas. De um lado vemos empresas de consultoria relatando que o cliente não tem disciplina e maturidade para gerenciar seus próprios problemas e, do outro, clientes insatisfeitos por abordagens tidas como agressivas ou até mesmo entendidas como retrabalho.
O papel do cliente e do consultor nessa relação de confiança está opaco e dessa forma precisamos entender melhor quais atividades a consultoria pode e deve realizar, assim como qual a responsabilidade do cliente em cada atuação.
Esse texto é resultado da minha experiência em gestão de projetos de consultoria e de muitas conversas com clientes e outros gestores que contratam consultorias no Brasil. Além disso, muitas informações e recomendações estão descritas no livro do Peter Block, Consultoria – O Desafio da Liberdade, o qual recomendo fortemente a leitura.
Estas experiências e reflexões recentes me levam a propor um meio de esclarecer os propósitos da consultoria. Quando a clareza sobre o propósito existe, ambas as partes são mais propensas a lidar com o processo de engajamento satisfatoriamente.
Uma Hierarquia de Propósitos
A consultoria inclui uma ampla gama de atividades. As empresas e seus membros muitas vezes definem essas práticas de forma diferente. Uma maneira de categorizar as atividades é em termos da área de especialização do profissional (como análise competitiva, estratégia corporativa, melhoria contínua, gerenciamento de operações ou recursos humanos). Mas, na prática, existem muitas diferenças entre essas categorias.
Outra abordagem é ver o processo como uma sequência de fases - entrada, contratação, diagnóstico, coleta de dados, feedback, implementação, e assim por diante. No entanto, essas fases são geralmente menos discretas do que a maioria dos consultores admitem.
Talvez uma maneira mais útil de analisar o processo seja considerar seus propósitos; dessa forma, proponho as seguintes finalidades da consultoria listadas da base até o topo (1 a 6):
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- Fornecer informações.
- Solução de problemas.
- Realizar diagnóstico.
- Fazer recomendações.
- Implantação de soluções.
- Aculturamento.
A seguir, um resumo dos principais propósitos com suas respectivas armadilhas e sugestão para melhoria:
1. Fornecer informações
Objetivo: a consultoria atua como especialista (direcionamento e não executando atividades) e irá fornecer informações diversas tais como, por exemplo, dados de um determinado mercado, resultados de pesquisas relacionadas a um determinado produto, serviço ou até mesmo medições realizadas no próprio cliente.
Armadilhas: a consultoria ou cliente não saberem se já existem dados disponíveis internamente para a tomada de decisão ou até mesmo não estar claro se as informações solicitadas são realmente necessárias ou úteis. Além disso, a consultoria pode ser usada para confirmar ou direcionar algo que a área contratada deseja.
Sugestão: a consultoria deve promover a reflexão sobre a necessidade do uso das informações e juntamente do cliente realizar um diagnóstico de todos os dados já disponíveis na empresa.
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2. Solução de problemas
Objetivo: a consultoria atua como especialista direcionando possíveis soluções para um determinado problema complexo como, por exemplo, construir ou terceirizar um componente, adquirir ou descontinuar uma linha de negócios, ou alterar uma estratégia de marketing. São soluções associadas tipicamente a temas sobre eficiência, indicadores, processos, tomada de decisão, reestruturações, comunicação interna, controle e sucessão de gestão. Nesses casos a consultoria não faz a implantação, só as recomenda.
Armadilha: a consultoria precisa garantir que o problema proposto é o que a organização e o cliente precisam resolver. Muitas vezes, o cliente precisa de mais ajuda para definir a verdadeira oportunidade.
Sugestão: o primeiro trabalho do consultor é explorar o contexto do problema. Para fazer isso, ele ou ela pode perguntar:
- Quais evidências existem de que o problema está claro?
- Que soluções foram tentadas no passado, com que resultados?
- Quais possíveis abordagens são conhecidas e não foram testadas?
- Quais outros aspectos relacionados aos negócios do cliente não estão indo bem?
- Quais os impactos positivos e negativos (eventuais) do problema resolvido?
- O que pode ser feito para garantir que a solução ganhe ampla aceitação?
Um consultor não deve rejeitar nem aceitar prontamente a descrição inicial do cliente. Suponha que o problema é apresentado como baixa moral e mau desempenho na força de trabalho. O consultor que compra essa definição por fé pode gastar muito tempo estudando sintomas sem nunca descobrir causas. Por outro lado, um consultor que rejeita rapidamente essa maneira de descrever o problema terminará um processo de consultoria potencialmente útil antes de começar.
Assim, um processo de consultoria útil envolve trabalhar com dados existentes, porém confirmando e estruturando o cenário de forma mais numérica. Utilizar o problema como definido pelo cliente é uma importante fonte de informação, mas não pode ser encarada como verdade absoluta.
3. Diagnóstico
Objetivo: grande parte do valor da consultoria reside na sua especialização com diagnósticos, com base em parâmetros reconhecidos, nível de maturidade ou avaliação de mercado (concorrentes).
Armadilha: embora a necessidade de um diagnóstico independente seja frequentemente citada como uma razão para o uso de pessoas de fora, o não envolvimento de pessoas de dentro do cliente pode gerar falta de credibilidade e engajamento caso o trabalho da consultoria não esteja considerando necessariamente a trilha de implantação de melhorias.
Sugestão: claramente, quando os clientes participam do processo de diagnóstico, eles são mais propensos a reconhecer seu papel nos problemas e a aceitar uma redefinição da tarefa do consultor. As principais empresas, portanto, estabelecem mecanismos como forças-tarefa conjuntas para trabalhar na análise de dados e outras partes do processo de diagnóstico. À medida que o processo continua, os gestores naturalmente começam a implantar ações corretivas sem ter que esperar por recomendações formais. O diagnóstico competente exige mais do que um exame do ambiente externo, da tecnologia e da economia do negócio e do comportamento dos membros não gerenciais da organização. O consultor também deve perguntar por que os executivos fizeram certas escolhas que agora parecem ser erros ou ignoram certos fatores que agora parecem importantes.
4. Recomendando Ações
Objetivo: com base em dados e relatórios do cliente o consultor atua de forma especialista recomendando ações. Diferentemente do item 2 (Solução de Problemas) quando a consultoria atua com base em sintomas listados pelo cliente, nesse caso o consultor analisa o cenário com base em dados. O consultor recomenda, e o cliente decide se e como implementar.
Armadilha: partir do pressuposto que os dados fornecidos são confiáveis ou são suficientes para entendimento de todo o contexto para tomada de decisão. Além disso, os gerentes ou responsáveis pela tomada de decisão com esses dados podem se sentir esvaziados ou desprestigiados.
Sugestão: promover auditoria nos indicadores, participar antecipadamente de reuniões de tomada de decisão e avaliar o histórico de soluções propostas para entender o motivo pelo qual não foram discutidas, melhoradas ou implantadas.
5. Implantação de Sugestões
Objetivo: o consultor é responsável por gerenciar uma equipe terceira ou interna (do cliente) na implantação de uma mudança, melhoria ou nova solução.
Armadilha: o consultor que ajuda a colocar as recomendações em prática de forma centralizada assume o papel de gerente e, portanto, excede os limites legais da consultoria. Nesses casos é natural que não haja apropriação do novo paradigma pelo cliente e que ocorram eventuais atos de não apoio. A falha da implantação facilmente pode se tornar a falha da consultoria e assim, ser bem-vinda.
Sugestão: considerar a implantação apenas como responsabilidade única do cliente também pode ser um desperdício de dinheiro e tempo. Assim, o cliente deve participar do diagnóstico sem diminuir o valor do papel do consultor de tal forma que o consultor possa ajudar na implantação sem usurpar o trabalho do gerente interno. Um plano de comunicação eficaz, a equipe de consultoria com apoio direto de altas patentes e a formação de um núcleo duro de trabalho são fatores críticos de sucesso.
6. Aculturamento
Objetivo: consultores devem gerar legado e apropriação por parte de seus clientes, ou seja, devem deixar algo de valor duradouro após o final do trabalho. Isto significa não só melhorar a capacidade dos clientes para lidar com questões imediatas, mas também ajudá-los a aprender os métodos necessários para lidar com os desafios futuros. Bons médicos querem dar alta aos seus pacientes. E bons pacientes querem ter alta de seus médicos.
Armadilhas: o cliente não tem pleno entendimento sobre a estrutura necessária para gerar a apropriação do conhecimento ou não dispõe dos recursos ou do nível de maturidade necessários para conduzir as ações autonomamente. Além disso, durante a jornada de desenvolvimento da cultura, o cliente se acostuma com a presença especialista do consultor e se acomoda na sua missão de andar com as próprias pernas. Eventualmente a consultoria sai e todo o legado se perde.
Sugestão: com base no diagnóstico, a consultoria deve criar uma sistemática formal de avaliação e análise crítica bem como um processo de desenvolvimento e sucessão no cliente que, caso não envolva necessariamente o gestor da área contratante, considere os riscos de envolvimento de pessoas da organização. Isto é, avalia as chances de desligamento ou até mesmo de promoção deste ponto focal. Contratação de agentes externos mais maduros e prontos para a gestão referenciada deve ser considerada. O cronograma de aculturamento deve ser divulgado amplamente e a necessidade de recursos deve ser verbalizada conforme o avanços dos trabalhos.
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Em suma:
Consultores não são cruzados inclinados a reformar estilos de gestão com base em suposições. Mas um diagnóstico profissional deve incluir a avaliação da eficácia organizacional geral, e o processo de consultoria deve ajudar a diminuir quaisquer barreiras para a melhoria. Os bons conselheiros são praticantes, não pregadores, mas suas práticas são consistentes com suas crenças. Quando o processo de consultoria estimula experimentos com formas mais eficazes de gestão, ele pode fazer sua contribuição mais valiosa para a prática de gestão.
A ideia de que o sucesso de consultoria depende unicamente da expertise analítica e da capacidade de apresentar relatórios convincentes está perdendo terreno, em parte porque há mais pessoas dentro das organizações com as técnicas analíticas necessárias do que nos anos de "consultoria estratégica". Os melhores consultores definem o seu objetivo não apenas recomendando soluções, mas também ajudando a institucionalizar processos de gestão mais eficazes.
Os melhores clientes sabem quando estão saudáveis ou doentes e confiam no seu médico. As melhores consultorias confiam no seu paciente e na descrição do sintoma que ele sinaliza. Um medicamento é dirigido partindo da certeza que será utilizado conforme a prescrição. Em caso de problemas ou novos sintomas, são feitas novas consultas. A relação de confiança e a forma de alinhamento são fatores críticos para o sucesso.
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Gilberto Strafacci Neto
Engenheiro mecânico formado pela Universidade de São Paulo, com mestrado em construção civil e especialização em gestão de projetos, gestão de finanças, administração de negócios, ciência de dados e IA, e mais. Com conhecimento em Master Black Belt em Lean Seis Sigma e Liderança Organizacional.