O cloro, devido ao baixo custo, alta eficiência e possibilidade de deixar residual, é o produto mais utilizado na desinfecção/oxidação de águas nas estações de tratamento de água todo o mundo. No entanto, diante da descoberta de que seu uso estava associado à formação de subprodutos de cloração, com ênfase em trihalometanos (THMs), foi necessário dar mais atenção a esse tópico. Mas qual o problema?
Subrodutos da oxidação, em especial da cloração, são de grande relevância para a saúde pública por serem compostos associados a efeitos carcinogênicos. Estudos indicaram que a exposição humana aos subprodutos da cloração não ocorre somente pela ingestão de água de abastecimento clorada, mas também na lavagem de roupas e louças, no banho ou em qualquer outra atividade que utilize água tratada, além da usada no banho de piscina, isso, em virtude da alta volatilidade que apresentam. Nesse sentido, é preciso entender, evitar e controlar a formação desses compostos, afinal, não queremos consumir água livre de microrganismos, mas com compostos que podem causar câncer.
Os principais subprodutos da desinfecção que podem ser formados são:
- Residuais dos desinfetantes;
- Subprodutos inorgânicos;
- Subprodutos da oxidação de compostos orgânicos, e;
- Subprodutos orgânicos halogenados.
Formação de subprodutos do cloro
O cloro é o agente desinfetante mais comum no tratamento de água, considerado bastante clássico. Como descrito nesse post aqui, o objetivo é manter condições físico-químicas para que predominem as espécies HOCl ou OCl-, que apresentam melhor poder desinfetante. Entretanto, esses mesmos agentes podem ocasionar a formação de subprodutos indesejáveis, principalmente pertencentes da classe dos trihalometanos (THMs) e dos ácidos haloacéticos (AHAs).
A formação desses subprodutos ocorre principalmente quando o cloro livre reage com grupos de substâncias presentes na água, os ácidos húmicos e fúlvicos, que compõem cerca de 50% da matéria orgânica natural (MON). São essas substâncias que em geral conferem cor à água. Nelas, os principais agrupamentos químicos encontrados são os carboxílicos, fenólicos e cetônicos. Mas por que estamos falando de estrutura química? São reações químicas que regem tanto a desinfecção quanto a formação dos subprodutos.
Um mecanismo de reação entre moléculas do tipo resorcinol (grupo fenólico) e o ácido hipocloroso (HOCl) em meio aquoso foi proposto em 1974. Observe a Figura 1:
PUBLICIDADE
CONTINUE LENDO ABAIXO
LEIA MAIS
O mecanismo consiste na oxidação da resorcinol pelo ácido hipocloroso que permite a halogenação do anel aromático. Cloro é um halogênio, lembra da posição dele na tabela periódica? Pois bem, a partir daí a ruptura da molécula pela inserção de um íon hidrogênio (Figura 1, ponto “a”) forma THMs. No caso do exemplo da figura, estamos falando do triclorometano (clorofórmio), que definitivamente não queremos na nossa água.
No ponto “b”, por sua vez, há a inserção de uma hidroxila (OH-), permitindo a formação de um ácido haloacético, enquanto a ruptura em “c” gera uma haloacetona. Todos subprodutos de desinfecção.
E tem outro detalhe: caso a água tratada possua traços de iodo ou bromo, esses halogênios também podem participar da reação base descrita anteriormente, formando assim outros tipos de THMs (e.g. dicloroiodometado, bromodiclorometano, etc.) e AHAs, outra classe de subprodutos de desinfecção.
Estudo e monitoramento de trihalometanos
A taxa de formação de THMs depende de vários fatores, incluindo a presença de precursores orgânicos, a concentração de cloro livre, concentração de outros halogênios, pH, temperatura e tempo de contato para que a reação ocorra. Por exemplo, sabe-se que a formação de subprodutos da cloração se eleva com o aumento da temperatura e do pH.
PUBLICIDADE
CONTINUE LENDO ABAIXO
A partir da descoberta da formação dos THMs e outros subprodutos derivados da desinfecção das águas, grande preocupação tem sido gerada pelo fato dos possíveis impactos em longo prazo que essas substâncias podem causar no meio ambiente e na saúde da população. Diversos cientistas têm desenvolvido trabalhos relacionados à presença de THMs na água e à sua toxicidade e poder carcinogênico. Por mais que, do ponto de vista da engenharia, a gente saiba como tratar água, há nuances que são pauta para a ciência destrinchar e descrever, para que nossas tecnologias sejam aprimoradas e livres de risco.
Diante dos efeitos nocivos que a classe dos THMs pode ocasionar à saúde, diversas instituições governamentais delimitaram a quantidade máxima de THMs e outros subprodutos que podem ser detectados em águas de abastecimento. Apesar disso, e levando em conta a diversidade de substâncias existentes (algumas ainda nem foram identificadas!) e necessidade de equipamentos de ponta para detecção e quantificação, a maior parte das normas de potabilidade resumem as restrições a termos de trihalometanos totais (TTHMs) e AHAs totais.
Como controlar a formação de subprodutos?
O controle da formação dos trihalometanos está relacionado principalmente à redução de compostos que podem potencializar sua formação e, quando necessário, o uso de desinfetantes alternativos (por exemplo, substituindo oxidantes por outros tratamentos).
Em linhas gerais, o controle da presença desses compostos pode ser feito, resumidamente, por:
- Remoção dos precursores: é possível realizar controle do manancial de captação, removendo matéria orgânica?
- Modificação das formas de tratamento: pré-oxidação é realmente necessária? Esse desinfetante é a melhor alternativa?
- Remoção dos subprodutos: em último caso, com subprodutos já formados, é possível que sejam removidos por carvão ativado, extração por meio de aeração (air stripping), dentre outras técnicas.
No mais, lembramos que a técnica de desinfecção ou tratamento utilizado deve ser função da qualidade da água a ser tratada. Caracterizar a fonte de abastecimento e levantar quais tecnologias seriam adequadas à situação, antes de conceber a instalação de tratamento, será sempre o ideal.
Referências:
Porque este texto utilizou informações dos seguintes documentos: Aguirre-González, et al. 2011; Attias, L., et al., 1995.; Di Bernardo, L., 2005.; HELLER L., PÁDUA, V.L., (Org.), 2010.; Ireland EPA, 2012.; WHO, 2005.
Você já viu alguma situação em que houve cloração de água com cor? Conta para a gente nos comentários!
Comentários
Kamila Jessie
Doutora em Hidráulica e Saneamento pela Universidade de São Paulo (EESC/USP) e Mestre em Ciências pela mesma instituição; é formada em Engenharia Ambiental e Sanitária pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) com período sanduíche na University of Ottawa, no Canadá; possui experiência em tratamentos físico-químicos de água e efluentes; atualmente, integra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) do Instituto de Física de São Carlos (USP), onde realiza estágio pós-doutoral no Biophotonics Lab.