Ouvi essa frase em algum lugar e tenho que concordar que à primeira vista ela parece ofensiva, como algo que vem para desmerecer o(s) engenheiro (s), como se ele fosse mesmo pouco inteligente. Mas para os bons entendedores essa frase pode revelar uma coisa bem mais interessante e importante do que isso.

É comum nas universidades certa segregação entre o pessoal da engenharia e os outros cursos, em particular os cursos das áreas de ciências humanas. Em muitos casos, não seria ousado dizer que há um preconceito mútuo. Os estudantes de engenharia e, de uma forma mais ampla, de ciências exatas são vistos como os “bitolados”, enquanto os estudantes de ciências humanas são vistos como os “intelectuais”. Ao primeiro grupo se associa a imagem de estudantes que têm talento para a matemática e abstração (supostamente acessíveis a poucas pessoas) e pouca expertise social. Ao segundo se associa a imagem de bom desempenho comunicacional e social, mas pouca habilidade com números.
Embora essa generalização talvez possa, em alguns lugares, ser bem empregada – mas ainda como generalização: e é até válida, porque não fala do todo, mas do que se identifica como sendo maioria – , de uma forma global e macroscópica há uma chance de estarmos sendo contraproducentes em naturalizar esses estereótipos.
Essa separação não começa na escolha do curso universitário. Na verdade, ela começa bem antes. Ela aparece quando, bem mais novas, as pessoas são treinadas a se descobrir boas em matemática, e, na outra face da moeda, ruins para a arte da escrita. Ou vice-versa: boas em escrever e ruins em matemática. Há uma espécie de dualismo na forma como classificamos as pessoas para fins escolares, e, na sequência, profissionais. Funciona como um divisor de águas. Mas a coisa não necessariamente tem que seguir esse modelo “dual”.
Há uma grande crítica na direção de vários sistemas educacionais mundo afora, que têm adotado uma política de suprir as dificuldades dos alunos nas matérias que são piores ao invés de potencializá-los nas matérias que são melhores (que são aquelas que muito possivelmente vão determinar a escolha profissional). Porém, essa preocupação só faz sentido depois que estiverem assegurados os conhecimentos necessários para o bom exercício da cidadania. É óbvio que, na prática profissional e mesmo no ambiente do ensino superior (graduação e pós-graduação), a especialização prevaleça.
Para os estudantes de exatas, é fácil entender que quem se gaba por não saber nada de matemática têm um sério problema. Não se trata de sugerir que essas pessoas, que não gostam da disciplina e preferem lidar com humanas, devem aprender matemática avançada. Já para a tomada de decisões cidadãs, como a escolha de um governante por meio do voto onde as propostas em questão envolvem política fiscal, só para dar um exemplo – o conhecimento de matemática básica torna-se imprescindível. O mesmo pode-se dizer em relação ao controle das finanças pessoais, à avaliação de riscos nos investimentos, dentre outras atividades.
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A despeito disso, em alguns casos o preconceito pende mais para as exatas. É incrível como muitas vezes não saber nada de matemática pode parecer até “cool” enquanto ignorar questões de ciências humanas seja algo visto como alienante. Vou reproduzir aqui uma pequena experiência que li recentemente: suponhamos que seja lançado um filme que traga a informação de que a prisão de Bastilha foi construída em Pequim. Muito rapidamente, o filme seria rechaçado, e o diretor com toda a sua equipe severamente criticados.
Apesar disso, em alguns filmes de super-heróis que não voam, como o Homem-aranha, é comum o herói se jogar de um prédio para salvar uma pessoa que está caindo e conseguir pegá-la no ar. Isso descumpre a lei da gravidade. Na mesma linha estão as ruidosas explosões espaciais, sem lembrar que o som não se propaga no vácuo. Por essa experiência, tendemos a achar o primeiro erro muito mais grave que o segundo (quando na verdade não é), e uma possível explicação para isso talvez seja uma desvalorização histórica do Quadrivium*. Aqui, recai sobre os interessados em exatas uma grande responsabilidade de modificar esse panorama.

Todavia, da mesma forma, não só os estudantes de humanas devem se preocupar com questões históricas, sociais e políticas básicas, mas todo cidadão indistintamente. Um voto consciente também inclui saber o que historicamente a mesma medida que um candidato propõe significou no passado. Só não se deve cobrar o mesmo padrão de entendimento, no nível da vida cotidiana. De certa forma, esse nível básico influencia até mesmo profissionalmente quem não lida diretamente com esses saberes.
No caso do engenheiro, especialmente, as empresas têm tido problemas em alocar mão de obra para cargos especiais não por falta de oferta do mercado, mas por dificuldade na identificação de perfis onde a qualificação necessária tem sido representada pela versatilidade trazida pela cultura geral e pela capacidade de dialogar com diversos grupos utilizando diferentes ferramentas na aquisição de objetivos em posições de comando (gerenciais e supra-gerenciais).
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Trata-se de uma chamada de atenção muito forte vinda da área de Recursos Humanos, o que, de alguma forma, vem repercutindo na prática pedagógica adotada pelas faculdades de engenharia. Como se pode observar, o currículo dos cursos de engenharia tem ficado cada vez mais abrangente e diversificado (com matérias da matemática, física, química, administração, economia, psicologia, sociologia, etc.), fazendo da engenharia o campo mais multidisciplinar de todos. Além da diversidade nas matérias obrigatórias, as universidades oferecem matérias optativas e a possibilidade de “puxar” outras em cursos diferentes, mas ainda assim no Brasil não é algo tão flexível como em algumas universidades americanas, por exemplo.

A despeito disso, o estudante de engenharia bem-sucedido deve procurar, por conta própria, enlaçar esses aprendizados e conectá-los com outros buscados dentro e fora de sua realidade, para então não só viabilizar sua cidadania, mas também garantir diferenciais competitivos e sobretudo potencializar seu approach diante das complexas questões que lhe serão impostas na profissão. Isso é fazer engenharia de alto nível.
Não tem que ser natural engenheiro escrever errado só porque lida com números a maior parte do curso. Não tem que ser normal engenheiro não saber a história por trás dos recursos tecnológicos que ele utiliza no dia a dia. Afinal, a partir do que foi exposto aqui, podemos agora dizer com mais segurança: não é preciso ser burro para ser engenheiro!
*Quadrivium: do latim quatro e via: caminho, ou seja os “quatro caminhos”, era o nome dado ao conjunto de quatro matérias (aritmética, geometria, astronomia e música) ensinadas nas universidades medievais na fase inicial do percurso educativo, cujo ápice eram as disciplinas teológicas. A educação era iniciada com o trivium (gramática, lógica e retórica), as primeiras três das sete artes liberais, seguindo-se as restantes quatro, que formavam o quadrivium. O quadrivium foi desenvolvido por Martianus Capella, que tentara desta forma sistematizar todo o conhecimento humano, e organizado depois por Petrus Ramus.
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Redação 360
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