As principais revistas e jornais vem anunciando incessantemente a falta de engenheiros no Brasil. Porém, para os engenheiros, desde os recém-formados aos que tem 25 anos de experiência, é um consenso que esta informação não confere no cenário nacional. Diante desta situação fica a dúvida: Que escassez é essa?
Este assunto dá margem a uma série de textos, porém vou focar no aspecto mais imediato deste desencontro entre empresas, recrutadores, profissionais e jornalistas. Basta uma pesquisa rápida na internet para encontrar as tão famigeradas vagas disponíveis para engenheiros e começar a entender a situação.
Primeiro, é preciso que as empresas entendam que um engenheiro mecânico possui a denominação profissional de engenheiro mecânico, e isso somente. Não existe qualquer referência no CREA a engenheiro mecânico com experiência em calibração de instrumentos de precisão expostos a ambiente corrosivo. Portanto, um engenheiro mecânico que trabalhou por 10 anos em calibração de instrumentos de precisão em ambientes explosivos tem total capacidade de atuar na área de ambientes corrosivos também. De forma mais direta, qualquer engenheiro mecânico será capaz de trabalhar nesta área, após o devido treinamento. É por isso que ele estudou por 5 anos, e por este mesmo motivo o preço pela sua hora de trabalho tem o valor que o CREA estipulou. Se a empresa treinou, ganhou um profissional capaz.
Pelo CREA, o piso salarial de um engenheiro é de 8 salários mínimos. Nos valores atuais( meados de 2013) equivale a R$ 5.414,00. As empresas insistem em recusar esta realidade a ponto de configurarem, a grosso modo, quase um cartel salarial. Se ninguém paga o valor pedido, ninguém vai poder exigir barganhando que outra ofereceu. Agrava-se o fato de que pouquíssimas das vagas de recém-formados abrangem este salário. Por outro lado, é ponto comum nos requisitos para vagas de engenheiros a tríade experiência anterior, inglês fluente e experiência em liderança. Sem muito esforço, é natural perceber que citar recém-formado na mesma frase que experiência anterior é no mínimo, mau gosto.
Portanto, o mercado está superaquecido para profissionais com experiência, correto? Infelizmente não. Porque se é para preencher uma vaga, a preferência vai para quem tem experiência exatamente naquela área específica. Se este profissional não é encontrado, outro profissional com 15 anos de experiência em uma área ligeiramente distinta também não é uma boa escolha, pois está “velho demais para aprender truque novo”. Mas caso haja a continuidade do desejo de preencher esta vaga com este profissional experiente, a vaga continuará fazendo jus à sua definição de lugar livre, quando durante a entrevista, o engenheiro com 15 anos de experiência, inglês fluente, espírito de liderança, capacidade de lidar em equipe, domínio do pacote Office, Autocad, programação em Visual Basic e residindo próximo ao local de trabalho, se recusar a trabalhar quando souber o valor do salário.
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Aprendendo para fazer
Existe um ponto no qual as empresas brasileiras (ou aqui situadas) insistem em contrariar os teóricos da administração mais moderna: o investimento no capital humano. Dentro das metas de corte de custos, naturalmente se poda qualquer pensamento de investimento em capacitação. Assim, é um cenário quase utópico imaginar uma empresa investindo por 1 ou 2 anos em treinamento para capacitar um profissional.
Mas porque utópico? Porque nossas empresas, diante da necessidade de um profissional, consideraram mais econômico contratar o profissional da empresa em frente em vez de investir na formação do novo engenheiro. Mas como é costume se adotar a solução mais conveniente, a empresa que teve o seu profissional abduzido, aprendeu também esta manobra. Assim, como segue a escalada natural da oferta x demanda, os salários deste profissional irão aumentar até o ponto em que ninguém mais estará disposto a arcar com aquele valor. Então o que acontecerá?
Passarão a contratar os recém-formados e investir em seus treinamentos? Não. Se não há engenheiro com experiência no mercado e a empresa não tem uma política pré-existente de capacitação – pela simples falta de necessidade anterior- ela irá dizer que faltam profissionais, divulgar isso nas revistas e dizer que precisam de profissionais e estes estão lá de fora. Alegando que falta mão de obra no Brasil. Mas não, não falta mão de obra aqui. Falta mão de obra treinada, lê-se, que não necessita de investimento. E esta sim, lá fora tem mais do que aqui, afinal, a Europa está em crise.
Ao conversar com uma amiga, recrutadora da área de Oléo e Gás, conversamos sobre os “altos” salários dos engenheiros e em seguida ela comentou que o principal problema é a qualificação. Ela citou o exemplo da vaga de analista de compras, que é muito difícil encontrar um engenheiro com experiência na área e inglês fluente. Particularmente, não cai bem a presença e a co-relação entre os termos fluência em inglês, experiência anterior e analista quando a vaga se destina a engenheiros. A não ser que este analista receba mais que um engenheiro júnior, o que nunca é o caso. Após sua citação, a perguntei porque eles não contratam um administrador para fazer a parte de compras.
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Ela me respondeu que é necessário alguém com formação técnica para esta vaga. Então esclareci para ela que “o cidadão passa 5 ou 6 anos numa faculdade de engenharia, lida com os tipos mais absurdos de professores, aprende todo o desenvolvimento da tecnologia humana até os dias atuais em sua área de atuação. Existe o CREA, existe um piso, e ESTE É O PREÇO DA FORMAÇÃO TÉCNICA.”.
O engenheiro é formado para aprender, desenvolver e aplicar os conhecimentos em sua área. Possui domínio das ciências bem como de suas atribuições, além da facilidade nata com números e por fim obrigatoriamente possui nível básico de inglês, porque as próprias disciplinas o exigem. Olhe bem para este profissional, agora adicione 2 anos de experiência em compras técnicas e por fim adicione mais um curso de 4 anos de inglês para ficar fluente. Qual a parte da dificuldade destes profissionais se candidatarem a uma vaga que exige o necessário para ser CEO pelo salário de um caixa de banco* não ficou clara?
O nascimento do Trainee
Não é segredo para ninguém que o nosso país passou por um período de instabilidade econômica pouco tempo atrás. Mesmo os que não eram nascidos nas época, lembram dos mais velhos contando sobre ir comprar tudo de manhã porque a tarde os preços já subiam. Como a saúde financeira e o investimento em infra-estrutura e tecnologia andam lado a lado, durante o crescimento da inflação a engenharia nacional começou a sofrer sua queda, chegando ao ápice durante a abertura do nosso mercado e a natural competição com os países estrangeiros. Assim nossa engenharia tomou um golpe violento enquanto nossos ilustres políticos não se emocionaram com a situação. Nesta época, os engenheiros se tornaram taxistas, passaram a vender suco e etc…
Houve um desemprego em massa dos engenheiros, os mais bem-sucedidos foram os que conseguiram fazer seus nomes no mercado financeiro. Diante dessa realidade, a quantidade de alunos nos cursos de engenharia despencou e ninguém mais olhava nossa profissão como boa opção. Os alunos da época que não abandonaram seus cursos, optaram pela vida acadêmica como a única salvação. Os engenheiros civis foram os que menos sofreram com isso, por conta deste ramo não necessitar tanto de tecnologias e assim, não ter sofrido a competição externa. Mas sofreram o impacto pela freada econômica geral da nossa pátria também.
Mas o que isso tem a ver com os dias atuais? Tudo, porque hoje praticamente não existe engenheiro no mercado com 15 a 20 anos de experiência. Diante disso, as empresas se viram diante de um problema enorme. O que fazer agora?
Algumas passaram a tirar os aposentados da companhia dos netos com ofertas pomposas para voltarem ao trabalho, mas isso não salvou todas as empresas. Então as empresas veem uma luz no fim do túnel. Elas passam a pegar o recém-formado, investem um ano em cursos e treinamentos e outro ano em “job rotation”, os fazendo circular pelas diversas áreas da empresa. Assim, após 2 anos, as empresas agraciam estes jovens com os cargos destinados aos gerentes com 15 anos de experiência, inclusive com o salário da função de chefia. Vale ressaltar que nestes 2 anos, estes jovens não recebem o piso de engenheiro, pois estão recebendo parte deste salário em treinamento e conhecimento. Bom para as empresas e bom para os recém-formados!
No entanto, pela brasileiríssima Lei de Gérson, algumas empresas menos sérias começaram a adotar o modelo de Trainee, porém, usaram a máxima do “se aprende fazendo” e assim, consideraram desnecessários os treinamentos e colocaram o Trainee para exercer as funções de engenheiro, mas com salário de quem está aprendendo, é claro. Assim, criou-se a falácia que o engenheiro com “cheirinho de novo” é um peso morto nos primeiros anos, não gera lucro e assim, não merece o salário estipulado pelo CREA.
Esse modelo de escravidão… digo… de Trainee, também passou a ser bastante conhecido no mercado pelo nome de Analista. Uma ótima forma de contratar engenheiro sem pagar o salário necessário para desfrutar da capacidade desse profissional. Outra situação comum é a exigência de inúmeras qualificações, idiomas e experiência para no cotidiano do trabalho executar atividades simples e que qualquer aluno de ensino médio seria capaz de fazer.
O que vem acontecendo
Então, um engenheiro diante disso, deveria recusar tal oferta de emprego e só aceitar cargo como engenheiro, correto? Corretíssimo… se todos os formandos em engenharia fossem solteiros, bons herdeiros e de classe média alta. Porém como essa não é a realidade, alguns se submeteram a tal situação. Estes seriam poucos e logo tudo estaria resolvido, porque isso seria em pontos isolados, correto? Novamente correto, se não fossem as revistas e jornais fazendo uma enxurrada de notícias dizendo que faltam engenheiros no país.
“Engenharia é mão de obra escassa! Daremos salários de juízes para engenheiros! Engenheiro vai poder comprar sua própria ilha no Caribe!” Diante de tal situação, os cursos de engenharia lotaram, muito mais engenheiros se formaram. Mas agora caíram sem freio diante de um mercado onde a maioria das vagas são para aprender fazendo, ou seja, para Analistas ou Trainees de mentirinha. E se você é um cidadão engajado pela valorização profissional e não aceitará estas vagas, parabéns pela garra, porque tem mil se acotovelando pela vaga que você recusa.
E diante disso tudo o mercado continua: “Faltam engenheiros…”, o governo facilita a importação de profissionais, as revistas fazem matérias “comprovando” este fato, os que insistem em ficar na área em que se formaram recebem miséria enquanto se amontoam em volta de editais de concursos, e lá fora… o Brasil é o país da engenharia! As escolas de idiomas que mais viram o faturamento crescer nos últimos anos foram as de português para estrangeiros.
De toda forma, é totalmente compreensível a busca de profissionais com know-how em áreas pioneiras no país. Se determinada atividade nunca foi realizada em solo nacional, é natural que se traga o profissional do exterior. Mas esta deve ser uma prática de importação de conhecimento, não de mão de obra.
O estrangeiro virá agregar e formar seus companheiros de trabalho e não substituir os engenheiros nacionais enquanto estes estão sem emprego. Porém, o que parece haver hoje é a estratégia de trazer um fast-food. Trazer os profissionais formados e prontos, que os headhunters usam como sinônimo de “qualificados”, para assumir os cargos vagos no Brasil. Então novamente impera o vício do jeitinho brasileiro, mas agora, durante o recrutamento.
*Todo respeito aos atendentes de caixa de banco. O exemplo só foi citado pela não necessidade das qualificações citadas no texto para desempenho da função.
Texto escrito e enviado pelo leitor: Luciano Netto de Lima, formando de Engenharia de Controle e Automação no CEFET/RJ
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Eduardo Mikail
Engenheiro Civil e empresário. Fundador da Mikail Engenharia, e do portal Engenharia360.com, um dos pioneiros e o maior site de engenharia independente no Brasil. É formado também em Administração com especialização em Marketing pela ESPM. Acredita que o conhecimento é a maior riqueza do ser humano.