A formação de engenheiros no Brasil está em transformação. As diretrizes curriculares nacionais para cursos de engenharia têm como objetivo promover um perfil de profissional com uma formação humanista, crítica e reflexiva, voltada para a sustentabilidade. No entanto, a prática mostra que ainda são poucos os profissionais que integram essa visão holística, considerando os impactos sociais e ambientais em suas atividades. Saiba mais no artigo a seguir, do Engenharia 360!
Desafios na formação da Engenharia Popular
Desde os anos 1960, a ciência e a tecnologia passaram a ser vistas não apenas como neutras, mas como áreas interligadas à sociedade, suscetíveis a críticas e questionamentos, especialmente no que diz respeito a ideias lineares de progresso. Apesar dessa mudança de perspectiva, estudos apontam que os cursos de engenharia, como os de aquicultura, alimentos, ambiental, civil, e outros, ainda apresentam uma predominância de uma visão tecnicista. Essa abordagem separa a teoria da prática e foca principalmente no setor industrial e privado.
Podemos inferir que os currículos de engenharia, pouco - ou nada - apresentam questões socioambientais nos problemas e soluções tecnológicas e que nesse afastamento acabou também por contribuir para desigualdades sociais e desiquilíbrio ambiental.
Dito isto, concluímos que um sistema de ensino puramente tecnicista tende a provocar a ganância e adormece a consciência coletiva. Neste contexto de resgate do cidadão engenheiro, surge um movimento internacional de múltiplas iniciativas de engenharia engajada, que refletem sobre o papel das engenharias e da produção sociotécnica, do qual a Engenharia Popular (EP) é uma das vertentes.
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Os princípios fundamentais da Engenharia Popular
A Engenharia Popular é guiada por princípios como a educação popular, a autogestão, a justiça social e ambiental, o feminismo e o respeito à diversidade. Esses princípios garantem que as soluções tecnológicas desenvolvidas sejam relevantes e atendam às necessidades das comunidades.
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Portanto, as práticas da Engenharia Popular são norteadas pelos seguintes princípios:
- educação popular;
- autogestão;
- justiça social e ambiental;
- feminismo, antirracismo e contra LGBTfobia;
- cuidado com a vida;
- valorização da cultura em sua diversidade;
- reconhecimento e diálogo entre os diversos saberes (populares, tradicionais e acadêmicos).
Resumindo, a Engenharia Popular repensa nos modos de produção e reprodução da vida.
Exemplos de casos de projetos e ações
A formação de engenheiros comprometidos com a justiça social e ambiental é fundamental para o fortalecimento da Engenharia Popular.
A Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá (REPOS) é uma referência de Engenharia Popular. Ela tem propiciado a organização de espaços de formação e debate, para alunos e profissionais de engenharia e áreas tecnológicas, como os encontros nacional e regionais de engenharia e desenvolvimento social (ENEDS e EREDS).
Os debates e ações da rede perpassam por:
- formação do engenheiro (estrutura curricular, extensão universitária, pesquisa-ação),
- trabalho (organização, ergonomia, saúde, agricultura, extrativismo, empresas recuperadas, empreendimentos de economia solidária, autogestão, catadores),
- sustentabilidade (energia, água, reciclagem, objetivos de desenvolvimento sustentável),
- direito à cidade (habitação, mobilidade, acessibilidade), questões de gênero/raça/etnia (desigualdade, opressões, xenofobia),
- tecnologia (social, assistida, inclusão digital, software livre),
- dentre outros.
A importância da formação
A Engenharia Popular demonstra que a tecnologia pode ser um instrumento poderoso para a transformação social.
A ciência e a engenharia são catalizadores das grandes transformações na sociedade. Mas para uma verdadeira transformação econômica, social e ambiental de um país como o Brasil, é preciso que a engenharia se comprometa de fato com as questões que verdadeiramente importam para uma vida sustentável do país e do planeta.
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Texto escrito por Sandra Rufino, docente do DEP/CT/UFRN. Mestre e Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo e pós-doutora em Tecnologias Sociais pela Université Catholique de Louvain. É membra fundadora e coordenadora do Grupo Multidisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão em Projetos de Engenharia e Gestão Aplicados ao Desenvolvimento Ambiental e Social (PEGADAS-UFRN), membra fundadora da Rede de Engenharia Popular Osvaldo Sevá (REPOS), conselheira dos Engenheiros Sem Fronteiras (ESF) Brasil e orientadora do ESF Natal. Atua com Engenharia Popular, Tecnologias Sociais e Economia Solidaria desde 2000.
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Engenheiros Sem Fronteiras Brasil
Ser Engenheiros Sem Fronteiras é acreditar na importância da engenharia para o desenvolvimento social e ser protagonista desta transformação. O ESF-Brasil faz parte da rede Engineers Without Borders – International (EWB-I), presente em 65 países ao redor do mundo. Desde 2010 no Brasil já transformamos mais de 84 mil vidas. Acreditamos na importância do envolvimento comunitário, do diálogo e da cooperação. Os projetos são desenvolvidos e executados por voluntários locais organizados em núcleos, que se envolvem pessoalmente com os membros da comunidade, escutam suas necessidades e estabelecem parcerias e amizades. Nós da Diretoria Nacional replicamos essa tecnologia social, capacitando e orientando os líderes destes núcleos para desta forma gerarmos o impacto nos locais que atuamos.